A interação entre o Estado proativo, os empresários, os trabalhadores e a sociedade civil fica mais fácil por termos saído da era do ábaco para a dos computadores
O filósofo francês Jean-Paul Sartre costumava dizer que o homem é um projeto. Se assim for, as sociedades humanas deveriam ter a mesma ambição.
A palavra “projeto” remete à antecipação e, em boa parte, ao voluntarismo. Não se trata unicamente de prever o futuro e, sim, de mudar o seu rumo em consequência de um conjunto de valores e de necessidades. Porém, precisamos de um voluntarismo responsável que se esforça por formular propostas viáveis, sem cair na ilusão de que é possível medir as forças pelas intenções generosas, como sugeria o poeta romântico polonês, Adam Mickiewicz.
Em outras palavras, para ganhar a guerra contra a pobreza e o atraso, devemos voltar ao planejamento, um conceito oriundo na economia de guerra, indispensável à ecossocioeconomia de desenvolvimento. Quando Friedrich August von Hayek, Prêmio Nobel de Economia em 1974, publicou em 1944 em Londres o seu libelo contra o planejamento – O Caminho da Servidão -, todo o mundo ao redor dele estava planejando.
Ele era o dissidente. O planejamento caiu em descrédito com a queda do Muro de Berlim, a implosão da União Soviética e a contrarreforma neoliberal baseada no mito dos mercados que se autorregulam.
Seria ingênuo pensar que esse mito desapareceu com a recente crise, mas, que ele está mal das pernas, está. Chegou, portanto, o momento de reabilitar e atualizar o planejamento. Até o meu xará Jeffrey Sachs (nenhum parentesco) – diretor do Earth Institute, da Columbia University, em New York, e conselheiro do secretário-geral das Nações Unidas -, pronuncia-se em favor de um planejamento flexível a longo prazo, voltado para o enfrentamento dos três desafios simultâneos da segurança energética, segurança alimentar e redução da pobreza, buscando uma cooperação tripartite entre os setores público, privado e a sociedade civil.
[Saiba mais em “Rethinking Macroeconomics”, artigo publicado na edição 18 da revista The Broker (fev. 2010), págs. 14 a 16]
Sejamos claros. Não vamos voltar aos primórdios do planejamento implantado na União Soviética a partir dos anos 1920 a serviço de um regime autoritário, propenso a um voluntarismo descabelado e dispondo do ábaco como único instrumento à mão.
O aggiornamento do planejamento neste princípio do século XXI deve começar por fazer um balanço crítico de todas suas experiências além da evolução na União Soviética e acessoriamente na China maoista, que passou pelo desastre do grande salto para a frente, belo exemplo de voluntarismo irresponsável:
– os notáveis avanços conceituais ocorridos nos anos 1960 na Europa Oriental, liderados por quatro eminentes economistas – Michael Kalecki, Oskar Lange e Czeslaw Bobrowski, na Polônia, e János Kornai, na Hungria;
– o breve episódio do socialismo com rosto humano na então Tchecoslováquia nos anos 1967 e 1968;
– fora do antigo bloco soviético, o planejamento da França e da Índia, sem esquecer a Aliança para o Progresso na América Latina;
– por fim, os avanços do planejamento no âmbito das empresas, inclusive nos Estados Unidos, no qual se destacaram centros como o Bush Center da Wharton School of Commerce, da Universidade da Pennsylvania.
Deve-se a Kalecki a mais breve definição do planejamento: “Pensar por variantes”. Seria ilusório tentar definir um ótimo num universo pluridimensional. Por isso, havemos de nos dar por satisfeitos ao propor soluções razoáveis no plano de eficiência econômica, de impactos sociais e de impactos ambientais, superiores às que seriam alcançadas pelo livre jogo das forças de mercado.
O planejamento democrático dessas soluções triplamente ganhadoras em economias mistas público-privadas, com um forte setor de economia de mercado, implica um diálogo intenso e uma pactuação entre os quatro grupos protagonistas do desenvolvimento: o Estado proativo, os empresários, os trabalhadores e a sociedade civil organizada.
Para tanto, convém prever vários níveis territoriais de planejamento, desde o nacional até o local, com um processo interativo de cima para baixo e de baixo para cima. No nível técnico, essa tarefa se torna hoje mais fácil por termos saído da era do ábaco para a dos computadores.
O fenomenal crescimento da economia mundial no decorrer dos dois últimos séculos, baseado no uso das energias fósseis, provocou um aquecimento global de consequências deletérias e em parte irreversíveis. Seria, no entanto, um erro considerar que o clima é a bola da vez e as urgências sociais podem esperar. Em 2007 existiam no Brasil 10,7 milhões de indigentes e 46,3 milhões de pobres. E, enquanto os latifúndios de mais de mil hectares – 3% do total das propriedades rurais do Brasil – ocupam 57% das terras agriculturáveis, 4,8 milhões de famílias sem-terra estão à espera do chão para plantar. [Mais em “Economia centrada na vida“, de Frei Betto]
O planejamento digno deste nome deve enfrentar simultaneamente os desafios ambientais e sociais.