Uma das primeiras coisas que o forasteiro aprende na Austrália é o chamado “aussie salute” ou saudação australiana: um vigoroso espantar de mosca em frente ao rosto. Como um aperto de mão, é quase um boas-vindas a uma terra onde moscas não faltam – em casa, na praia, no restaurante, no meio do outback, lá estão elas. Dizem que já foi muito pior e, por questões sanitárias, lá pelos idos de 1950 era ilegal fazer refeições ao ar livre. Se hoje os australianos tem uma vibrante cultura outdoors, é graças a outro inseto, o besouro rola-bosta. Mas a origem do problema está em ainda outro animal, essencial para um bom churrasco australiano: a vaca.
Antes do início da colonização europeia em fins do século XVIII, o continente não conhecia gado. Havia moscas, sim, mas seus números eram pequenos, pois dependiam dos excrementos da fauna nativa – cangurus, wallabies, emus – para reproduzir. Os primeiros colonos trouxeram algumas vacas e um par de bois e, a partir de então, foi a festa para as moscas. Hoje há 27 milhões de cabeças de gado no país. Estima-se que cada vez que uma delas evacua – em média 10 vezes por dia –, proporciona material para que nasçam pelo menos 3 mil moscas. Se todas elas sobrevivessem, comporiam um batalhão de bilhões de moscas, renovável em uma questão de dias.
Os besouros rola-bosta enrolam pequenos pedaços de esterco até formar uma bolinha, que depois enterram para que as fêmeas ponham seus ovos – as larvas nascem ali e se alimentam do esterco. Além de desaparecer com o material onde as moscas colocariam seus ovos, o besouro limpa a pastagem e melhora a qualidade e a estrutura do solo ao reciclar nutrientes – com o efeito colateral de reduzir o uso de fertilizantes. Com tanto gado e nenhum besouro adaptado para o trabalho – as espécies nativas co-evoluíram com marsupiais e não conseguem utilizar o excremento do gado para fazer seu serviço – a Austrália teve de importar.
O entomologista George Bornemissza, da Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation (CSIRO), foi responsável por um projeto que, de 1969 a 1984, introduziu mais de 50 espécies de besouros. Para evitar que se tornassem pestes – como tantas outras espécies exóticas na Austrália –, Bornemissza estabeleceu estações de pesquisa na África e em outros lugares para escolher as espécies que melhor se adaptariam às condições australianas. Hoje, os pecuaristas podem comprar besouros para espalhar em suas pastagens e controlar os números de bush flies que pegam carona nos ventos quentes até as cidades, e de buffalo flies, mosca que se alimenta do sangue do gado. Em 1989, o Brasil também importou o besouro rola-bosta.
No Egito antigo, o besouro era associado ao deus do Sol, Khepri, a quem se creditava o movimento do sol como uma bola de fogo para cima do horizonte e ao longo do céu até o anoitecer. Hoje o inseto não é mais visto como sagrado, mas pecuaristas, exportadores e processadores de carne australianos, assim como todos nós na cidade que podemos aproveitar nossos convescotes quase sem moscas, deveríamos reverenciá-lo.