Será que é mais difícil perceber a importância da variedade de culturas do que a de espécies? A biodiversidade foi objeto de convenção internacional já em 1992, mas a Convenção sobre a Diversidade Cultural só deu as caras treze anos depois. Apesar disso, os dois assuntos têm muita coisa em comum. Veja, por exemplo, o destaque que se dá è promoção da paz em ambos os textos:
“A preservação e o uso duráveis da diversidade biológica reforçarão as relações amigáveis entre os Estados e contribuirão com a paz da humanidade” – Convenção sobre a Diversidade Biológica, 1992, assinada por 150 países
“O respeito à diversidade das culturas, à tolerância, ao diálogo e à cooperação, em um clima de confiança e entendimento mútuos, está entre as melhores garantias da paz e da segurança internacionais” – Convenção sobre a Diversidade Cultural, 2005, assinada por 148 países.
O paralelismo não pára por aí. As duas diversidades também são vulneráveis à extinção. Se um saber ou fazer cultural desaparece, não tem mais volta. Do mesmo jeito que um bicho ou uma planta.
Além disso, ambas são ameaçadas por interesses econômicos. A gente já cansou de falar por aqui como a economia florestal é crucial para a conservação da Amazônia, por exemplo. Pois é também no esforço de promover valor e competitividade de mercado que se garante sobrevida à variedade cultural.
Nada disso saiu da nossa cabeça, infelizmente, mas do livro Economia da cultura e desenvolvimento sustentável (Editora Manole – 2007) de Ana Carla Fonseca Reis, a maior autoridade em economia criativa no Brasil. O livro serviu de base para uma das reportagens na próxima edição de Página 22, que começa a circular na semana que vem.
“É ao restituir à diversidade um sentido também econômico que conseguimos lutar contra sua destruição, já que a lógica e o bom senso parecem não operar quando desacompanhados de sustentação financeira”, diz a autora.
Quem não tiver acesso ao livro pode conferir mais sobre esse assunto no artigo aberto Diversidade Cultural e Biodiversidade, da mesma autora.
Interdependência
Numa perspectiva, digamos, mais utilitarista, o sentido de preservar as diversidades nos campos biológico e cultural é manter as opções em aberto para a humanidade. É dispor de um arsenal sem fim de instrumentos e saberes para os desafios do futuro. Como propõe Amartya Sen, liberdade mesmo é liberdade de escolha.
Essa é uma das justificativas elencadas no relatório Cultural Diversity and Biodiversity for Sustainable Development, produzido pela Unesco em 2002. Ali se afirma que ambos os territórios “guardam a chave para se assegurar resiliência tanto nos sistemas sociais quanto nos sistemas ecológicos”.
Outra sacada é que a própria cultura tem origem não só nas interações entre pessoas, mas entre pessoas e seus meios. Daí a tendência, identificada no relatório da Unesco, a que lugares mais biodiversos tenham também maior diversidade lingüística. Se pensar no Brasil, não lembre só da língua oficial, mas também dos dialetos indígenas. (Leia mais na coluna de Regina Scharf, Letra morta, na edição 39)
Essa percepção levou a União Internacional pela Conservação da Natureza (IUCN), em 2006, a propor um plano de conservação para os locais sagrados de culturas antigas espalhadas pelo mundo.
Por fim, um último ponto em comum, talvez o mais legal. Uma espécie só sobrevive em contato com outras, por isso a biodiversidade se esvai em unidades isoladas. Daí a ideia dos corredores ecológicos ou a preocupação também com a manutenção do entorno de área protegidas. Pois o mesmo se passa no campo da cultura. O bom é misturar.
Como disse Claude Lévi-Strauss: “A diversidade é menos uma função do isolamento dos grupos do que das relações que os unem”. 🙂