Se o mundo fosse inventado em um ano, as flores teriam sido criadas em 31 de dezembro, às 20h. A comparação é feita por Fred Gelli. “Os vegetais existem há três bilhões de anos. As flores, há apenas cem milhões”, diz.
Isso significa que você ainda teria tempo para enfeitar a sala com rosas, antes dos fogos do réveillon. Segundo o professor, até então, os vegetais, como samambaias e pinheiros, reproduziam-se de outras formas. O vento precisava soprar uma grande quantidade de esporos, o que gerava alto índice de desperdício, pois muitos não alcançavam as condições adequadas para fazer aumentar o número de plantas.
Mas a natureza não tolera gastar mais do que o necessário. Ela tem como um dos princípios a minimação. É obcecada por economia. Nesse sentido, qual teria sido o briefing da ecologia, solicitado à agência de design contratada, com objetivo de resolver o problema? “Vamos acabar com essa falta de pontaria”, Gelli responde. E completa: “As flores são um case de inovação fantástico. Constituem-se em armadilhas sensoriais, que trazem novos participantes ao processo de reprodução”.
Além do vento, pássaros e insetos passaram a ser atores importantes no transporte do pólen, entre uma planta e outra. A substância permite a fertilização do órgão feminino do vegetal. Um inseto que passeie pelo bosque, enquanto seus predadores e o lobo não vêm, é atraído pela forma, textura, desenho, cheiro e néctar da flor, este último importante na alimentação do animal. Ao aproveitar o néctar, o inseto se “suja” de pólen e vai embora, até que pousa sobre outra flor, concluindo o transporte.
Sem contar as estratégias das próprias flores para atrair determinados insetos, o que parece mais um serviço personalizado. Há uma espécie polinizada por mariposas que voam somente à noite. Nesse caso, ela tem pétalas brancas, que abrem apenas no período noturno. Outra libera substâncias que fazem um inseto macho ficar irresistível para as fêmeas. Assim, o “cliente” sempre retorna. Os mecanismos se preparam para atender às demandas do público-alvo.
Todo mundo ganha
A relação na natureza é ganha-ganha. Ganham pássaros e insetos. Ganham plantas. Uma lógica que pode ser aplicada também no dia-a-dia do mundo dos negócios. A biomimética – ou, imitação da natureza na criação de soluções para a sociedade, em áreas diversas – segue além do clássico velcro, inventado com inspiração no modo como as sementes do carrapicho se agarram a objetos.
Cândido Azeredo, sócio da agência Nódesign, aponta para o modelo de protocooperação, ou cooperação, no qual duas ou mais empresas juntam suas experiências no lançamento de determinado produto ou serviço. Por exemplo, a parceria entre Adidas e Goodyear em um tênis com solado melhor para realizar caminhadas. Ou a escova de dente lançada pela Oral B, Duracell, Brown e Walt Disney.
A Disney pode estar interessada em levar às prateleiras das lojas uma escova de dente temática, mas não tem tradição nesse tipo de mercado. Associar-se a outras marcas, como Oral B, é uma boa saída, inclusive, para transmitir maior credibilidade aos clientes ou resolver questões de logística.
A biomimética contribui não apenas para o desenho de objetos, mas para o design de modelos mentais, observando o conceito de campo mórfico. A estrutura não racional que leva um grupo de andorinhas a desviar de obstáculos ou um cardume a escapar do animal que deseja atacá-lo. A maneira como os indivíduos se modificam e relacionam, diante de um estímulo. “Tipo uma rede de bluetooth entre vários cérebros. Serve de referência à criação e gerenciamento de equipes, propondo alternativas para torná-las mais integradas e eficientes”, explica Azeredo.
Ao fazer também análise do ciclo de vida de um produto, a biomimética avalia desde a matéria-prima dele à eficiência energética, passando pelo que acontece no ambiente quando o produto é usado. Existe uma preocupação sustentável, entendendo o modo como o meio e os seres vivos são impactados.
Nessa linha, a Nódesign criou, em parceria com outras empresas, um serviço a ser oferecido para companhias aéreas, o Flight CO2 -. Após cadastro, na hora de fazer o check-in no aeroporto, um passageiro indica se, em seu destino, precisará aproveitar carona ou terá disponível o próprio veículo, no estacionamento. Um sistema cruza as informações de todos que seguem no mesmo voo. Pouco depois, via SMS, informa sobre a disponibilidade dos clientes, com dados sobre consumidores que vão para bairros ou regiões próximas.
Quem estiver interessado em aproveitar ou dar uma carona, pode se encontrar em um ponto determinado, no aeroporto de desembarque. Ali, as pessoas organizam caronas ou se articulam para dividir o táxi. É uma forma de facilitar a vida dos que viajam, ajudar na melhoria do trânsito e reduzir a emissão de gás carbônico. “Cria-se um campo mórfico, expandindo a empatia do público em relação à marca que adota o serviço”, destaca Azeredo.
Tendências do design
Fred Gelli acredita que os profissionais chegaram às fronteiras de suas áreas de conhecimento, sem que alguém tenha condições de agir como se dissesse “eu sei tudo”. Um engenheiro, por exemplo, não pode ser tão autoconfiante a ponto de dispensar a opinião de um biólogo, se o projeto que participa assim exigir. O que aprendeu na faculdade pode não ser o bastante, no mercado. E os setores se complementam.
Desse modo, pessoas de diferentes áreas precisam se relacionar, oferecendo informações diversas na elaboração de qualquer trabalho. O bom designer funciona como uma antena que recebe o conhecimento de outros meios, entende o contexto do problema e oferece soluções criativas. “No design, você não desenha para alguém, mas com alguém”, destaca Gelli.
Se o contexto da sustentabilidade exige busca pelo uso de materiais alternativos e o cultivo de novas formas de pensar, produzir ou consumir, então há uma necessidade de observar o mundo de acordo com essa nova lógica.
As equipes que desenvolvem os produtos não podem promover lançamentos que se tornem obsoletos três ou quatro meses depois de chegarem às lojas. “Uma solução é que o produto possa ser atualizado, de tempos em tempos, seja por meio da troca de uma das peças ou com a instalação de um novo software”, aponta o professor da PUC-Rio.
A atualização nesses moldes evita o descarte precoce de estruturas que ainda poderiam ser aproveitadas. É como em uma situação em que sai mais barato para o consumidor adquirir um novo produto, em vez de reparar o antigo. Às vezes, por causa de uma peça defeituosa, o produto vai parar no lixo.
Na opinião de Gelli, a sustentabilidade não deve ter uma estética própria, sob pena de incorrer em clichês e diminuir o poder criativo do designer. O sustentável demanda, justamente, explorar possibilidades diferentes, diante das inúmeras opções de agir sem impactar – ou, reduzindo o impacto – sobre a natureza.
No ano passado, a agência Tátil ganhou prêmio no Festival de Cannes com um convite para um workshop impresso a laser, sem o uso de tinta, em folhas secas coletadas no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Além de economizar papel, o convite pôde ser devolvido ao meio ambiente, sem prejudicá-lo.