Um pesquisador afirma que biomassa é mais importante para reduzir a pobreza do que biodiversidade, atiçando o debate acadêmico sobre conservação a favor dos pobres
“As pessoas não se interessam pela biodiversidade”, resumiu Craig Leisher, pesquisador-sênior da ONG The Nature Conservancy, ao explicar à imprensa os resultados de uma revisão de 400 artigos científicos e documentos sobre projetos em que a conservação da biodiversidade funciona como mecanismo para redução da pobreza.
Leisher e seus colaboradores concluíram que às vezes o mecanismo oferece uma rota para que a população local saia da pobreza, porém mais frequentemente atua como rede de segurança para evitar que mergulhe ainda mais fundo nela. E, em alguns casos, pode se tornar armadilha de pobreza.
A prioridade, quando se trata de reduzir a pobreza, segundo Leisher, deve ser a biomassa, e não a biodiversidade.
Biomassa é a massa total de organismos biológicos vivos em um ecossistema ou área em um dado momento, enquanto a biodiversidade refere-se à variabilidade das formas de vida dentro de um ecossistema, bioma ou todo o planeta. Trocando em miúdos, um conceito trata de quantidade enquanto outro se refere à diversidade. Segundo Leisher, um pescador que queira sair da pobreza estará mais interessado em pegar mais peixe, e não mais tipos de peixe.
As palavras de Leisher podem chocar alguns na comunidade ambientalista, afinal o mantra de que a perda da biodiversidade e a pobreza estão ligadas pela raiz é repetido ad infinitum, mas foram recebidas sem grande surpresa em um simpósio dedicado exclusivamente ao tema realizado no fim de abril pela Zoological Society of London. Há algum tempo a comunidade acadêmica esquadrinha o argumento de que estratégias de conservação favorecem tanto a biodiversidade quanto as populações locais.
Para Bill Adams, geógrafo da Universidade de Cambridge, a retórica do ganha-ganha faz parte do repertório dos conservacionistas, mas seus resultados têm sido evasivos. Segundo ele, o debate perdura porque tanto conservação quanto redução da pobreza são atividades “intensamente políticas”.
“Não sabemos como fazer nenhuma das duas com confiança. Elas são caras, complexas de planejar, lentas em produzir os efeitos necessários, difíceis de acertar e com resultados frequentemente controversos. Ambas geram perdedores, assim como ganhadores”, escreveu Adams no resumo de seu trabalho apresentado no simpósio de Londres.
Desde o século XIX, a principal resposta a graves ameaças à biodiversidade tem sido a criação de áreas protegidas, o que no geral resulta em impacto negativo do ponto de vista da pobreza. Um bem público – a preservação de espécies consideradas importantes globalmente, muitas vezes aquelas mais carismáticas – é garantido às custas da população local, impedida de usar a área para subsistência. Há pelo menos duas décadas, entretanto, as necessidades das populações do entorno passaram a integrar as estratégias de conservação em áreas protegidas e, desde o advento do conceito de desenvolvimento sustentável, cresce a influência de estratégias de conservação “em favor dos mais pobres”.
Uma revisão da literatura sobre conservação da biodiversidade e erradicação da pobreza, publicada na revista Nature em 2004, afirma que atacar ambos os objetivos de uma só vez talvez seja possível só em alguns casos. “Os links entre a biodiversidade e a subsistência, e entre a conservação e a redução da pobreza, são dinâmicos e específicos ao local. Na maioria dos casos, escolhas difíceis entre os objetivos serão necessárias, com custos significativos para um ou outro”, escreveram os autores.
Para ajudar a clarificar tais escolhas, eles lembram que é importante ter em mente quatro elementos: que conservação e pobreza requerem políticas diferentes; que a pobreza é um limitante à conservação; que a conservação não deve comprometer a redução da pobreza; e que a redução da pobreza depende da conservação de recursos vivos.
De volta ao simpósio de Londres, as declarações de Craig Leisher sobre biomassa e biodiversidade capturaram a atenção da imprensa, mas os organizadores apressaram-se em explicar que os debates indicam que há mais o que considerar.
Quando se trata de suprir as necessidades imediatas das pessoas pobres, por exemplo, por dinheiro, alimento e combustível, uma série limitada de recursos biológicos parece ser mais importante. Ter muitos desses ‘pedaços’ de biodiversidade, disseram, pode ser a melhor maneira de sustentar populações a curto prazo. Mas, a longo prazo, a diversidade de recursos oferece aos mais pobres uma rede de segurança diante de, por exemplo, mudanças nas condições do clima ou desastres naturais. Além disso, lembraram, a biodiversidade é subjacente à produção de biomassa em alguns sistemas ecológicos, como é o caso dos pesqueiros. “A biodiversidade é crítica a longo prazo”, escreveram.
* Jornalista e fundadora de Página 22