Os jogos da Copa mal começaram mas uma coisa já é certa: os abutres da Cidade do Cabo, dentre as maiores aves de rapina africanas, sairão perdendo no campeonato. Adeptos da muti, misto de magia e medicina tradicional praticada pelo povo Zulu, acreditam que, se fumarem o cérebro ressecado dessas aves, ganharão o poder de adivinhar os resultados dos jogos. Esta prática também ajudaria em apostas na loteria e em corridas de cavalos, a melhorar o desempenho escolar e a atrair clientes. Para Steve McKean, ecologista que trabalha para o governo da região de ocorrência dos abutres, tal crendice poderá extinguir a espécie nos próximos 50 anos.
Os abutres somam-se a uma legião de outros animais sacrificados devido às crenças mais estapafúrdias. No Brasil, um dos exemplos mais conhecidos é o do boto cor-de-rosa, cujos olhos e pênis são comercializados como promessa de virilidade.
Outro animal que está sendo dizimado para que os homens possam se sentir mais potentes é o pangolim. Na China, esse pequeno mamífero coberto de escamas e que se alimenta de formigas é um ingrediente disputado pela culinária e a medicina tradicional. A sopa de feto de pangolim é particularmente apreciada, considerada uma espécie de Viagra natural.
A lista de companheiros de infortúnio do abutre sul-africano, do boto brasileiro e do pangolim chinês é muito extensa e não poupa nenhum continente. Um dos casos mais conhecidos é o do rinoceronte africano, cujo chifre é cobiçadíssimo pelos asiáticos. Da Malásia à Coreia e à Índia, ele é utilizado em tratamentos dos mais diversos males. Segundo algumas correntes da medicina tradicional chinesa, o pó do chifre do rinoceronte, diluído em água fervente, pode curar febre, reumatismo, picadas de cobra e alucinações, intoxicação alimentar a possessão demoníaca. Ô panaceia.
Para os antigos persas, se você colocasse um líquido envenenado num copo feito com esse material, o líquido formaria bolhas, denunciando a presença do contaminante. Essa crença, que persistiu nas cortes européias até o século XIX, pode ter explicação científica. O chifre do rinoceronte é composto, sobretudo, de queratina, a proteína do cabelo e das unhas dos humanos. Muitos venenos “clássicos” são alcalinos e reagem quimicamente à queratina, o que poderia produzir as tais bolhas. Mas esse é um caso raríssimo em que o mito tem algum fundo de verdade.
Pobres espécies ameaçadas. Se não bastasse a destruição dos seus habitats, a caça, a exposição aos poluentes de todos os naipes, a escassez de alimento, ainda têm de enfrentar gente que acredita em histórias da carochinha.