Como assegurar a governança global num mundo de Estados-Nações divididos? Por generosa que seja, essa ideia tem reduzidas chances de implementação
A Conferência de Estocolmo de 1972 colocou o meio ambiente na agenda da Organização das Nações Unidas. Seguiram-se 20 anos de inegável progresso em matéria institucional e legal, dentro e fora das Nações Unidas. A Cúpula da Terra, que se reuniu no Rio de Janeiro em 1992, produziu um documento ambicioso – a Agenda 21. Como estávamos nesse momento no auge da contrarreforma neoliberal, a Agenda 21 não teve a sorte que merecia.
A próxima Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável, programada para 2012, vai se benefi ciar de um contexto político mais favorável. A crise atual deixou mal de pernas o mito dos mercados que se autorregulam.
Os trabalhos do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) não deixam a menor dúvida: o tempo hábil para mitigar as alterações no clima é curto. Se não for bem aproveitado, corremos o risco de precipitar uma catástrofe ambiental de grandes proporções, cujas principais vítimas serão as populações pobres. Se necessário, os holandeses saberão fi nanciar a consolidação dos diques que os protegem. Porém, este não será o caso dos habitantes de Bangladesh. Que dizer então dos moradores de algumas ilhas que fi carão submersas?
Não podemos correr o risco de sair da segunda Cúpula da Terra do Rio de Janeiro sem um acordo sobre a governança da nave espacial Terra, capaz de pô-la numa trajetória de desenvolvimento sustentável e includente, de maneira a enfrentar simultaneamente os dois desafi os maiores do século: a ameaça de mudanças climáticas deletérias e em boa parte irreversíveis e as desigualdades sociais abissais. O alerta sobre o aquecimento global não deve de maneira nenhuma servir de pretexto para protelar a luta contra a pobreza.
O cerne da questão é este: como assegurar a governança global num mundo com Estados-Nações politicamente divididos? Idealmente, deveríamos pensar em um governo mundial. Por generosa que seja, essa ideia tem pouquíssimas chances de implementação num futuro previsível.
Logicamente, deveríamos envidar esforços para fortalecer a estrutura das Nações Unidas – aproximadamente um G-200. No entanto, a recente Conferência de Copenhague e outras que a precederam apontam para a enorme difi culdade de uma negociação a varejo com quase 200 participantes movidos por interesses não necessariamente coincidentes. Daí, surge a tentação de transferir o debate para conclaves menores. G-2? G-20?
Convém excluir como uma perspectiva perigosa o G-2, que, no caso de se materializar, asseguraria um condomínio das duas maiores potências – os Estados Unidos e a China – sobre o resto do mundo.
O G-20 também gera dúvidas, embora a sua composição constitua um inegável progresso com relação ao G-7, que reunia as principais potências capitalistas do mundo, ou ao G-8, que incluiu a Rússia depois da implosão da União Soviética. Por que o G-20, e não um G-18 ou um G-24? Quem decide sobre a composição do conclave e com que critérios?
Voltemos, pois, ao G-200, cuja legitimidade é indiscutível. Ao mesmo tempo, tentemos substituir a negociação a varejo por um modus operandi diferente.
Peçamos aos participantes da Cúpula da Terra de 2012 que submetam às Nações Unidas, digamos em dois ou três anos, estratégias nacionais sob a forma de planos de desenvolvimento de longo prazo, construídos de maneira a explicitar a pegada ecológica e os objetivos sociais, a começar pela geração de oportunidades de trabalho decente?
Comparada ao método de negociação aplicado até agora, a compatibilização ulterior desses planos, com vistas à construção de sinergias positivas, permitiria uma maior efi ciência no exercício da governança global. Vale a pena lembrar aqui o precedente da Aliança para o Progresso lançada pelo presidente John Kennedy nos anos 1960.
O aggiornamento do planejamento não signifi ca uma simples volta aos paradigmas passados. O planejamento nasceu na era do ábaco, antes da invenção do computador. Por outro lado, precisamos de um planejamento democrático baseado no diálogo quadripartite entre o Estado desenvolvimentista, as empresas, os trabalhadores e a sociedade civil organizada. Não nos interessa o planejamento autoritário.
O princípio de responsabilidade diferenciada faz com que os planos dos países menos desenvolvidos devam ser cofi nanciados por um fundo de desenvolvimento sustentável e includente, administrado pelas Nações Unidas.
Tal fundo disporia de duas fontes de recursos: uma parcela importante do imposto sobre o carbono coletado nos países mais desenvolvidos e um percentual do PIB destes últimos, pelo menos 0,5%, já que as Nações Unidas nunca conseguiram pôr em prática a transferência de 1% do PIB dos países ricos aos países pobres. No contexto da transição para a economia verde, as razões para taxar o carbono são evidentes.
*Ecossocioeconomista da École des Hautes Études en Sciences Sociales.[:en]Como assegurar a governança global num mundo de Estados-Nações divididos? Por generosa que seja, essa ideia tem reduzidas chances de implementação
A Conferência de Estocolmo de 1972 colocou o meio ambiente na agenda da Organização das Nações Unidas. Seguiram-se 20 anos de inegável progresso em matéria institucional e legal, dentro e fora das Nações Unidas. A Cúpula da Terra, que se reuniu no Rio de Janeiro em 1992, produziu um documento ambicioso – a Agenda 21. Como estávamos nesse momento no auge da contrarreforma neoliberal, a Agenda 21 não teve a sorte que merecia.
A próxima Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável, programada para 2012, vai se benefi ciar de um contexto político mais favorável. A crise atual deixou mal de pernas o mito dos mercados que se autorregulam.
Os trabalhos do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) não deixam a menor dúvida: o tempo hábil para mitigar as alterações no clima é curto. Se não for bem aproveitado, corremos o risco de precipitar uma catástrofe ambiental de grandes proporções, cujas principais vítimas serão as populações pobres. Se necessário, os holandeses saberão fi nanciar a consolidação dos diques que os protegem. Porém, este não será o caso dos habitantes de Bangladesh. Que dizer então dos moradores de algumas ilhas que fi carão submersas?
Não podemos correr o risco de sair da segunda Cúpula da Terra do Rio de Janeiro sem um acordo sobre a governança da nave espacial Terra, capaz de pô-la numa trajetória de desenvolvimento sustentável e includente, de maneira a enfrentar simultaneamente os dois desafi os maiores do século: a ameaça de mudanças climáticas deletérias e em boa parte irreversíveis e as desigualdades sociais abissais. O alerta sobre o aquecimento global não deve de maneira nenhuma servir de pretexto para protelar a luta contra a pobreza.
O cerne da questão é este: como assegurar a governança global num mundo com Estados-Nações politicamente divididos? Idealmente, deveríamos pensar em um governo mundial. Por generosa que seja, essa ideia tem pouquíssimas chances de implementação num futuro previsível.
Logicamente, deveríamos envidar esforços para fortalecer a estrutura das Nações Unidas – aproximadamente um G-200. No entanto, a recente Conferência de Copenhague e outras que a precederam apontam para a enorme difi culdade de uma negociação a varejo com quase 200 participantes movidos por interesses não necessariamente coincidentes. Daí, surge a tentação de transferir o debate para conclaves menores. G-2? G-20?
Convém excluir como uma perspectiva perigosa o G-2, que, no caso de se materializar, asseguraria um condomínio das duas maiores potências – os Estados Unidos e a China – sobre o resto do mundo.
O G-20 também gera dúvidas, embora a sua composição constitua um inegável progresso com relação ao G-7, que reunia as principais potências capitalistas do mundo, ou ao G-8, que incluiu a Rússia depois da implosão da União Soviética. Por que o G-20, e não um G-18 ou um G-24? Quem decide sobre a composição do conclave e com que critérios?
Voltemos, pois, ao G-200, cuja legitimidade é indiscutível. Ao mesmo tempo, tentemos substituir a negociação a varejo por um modus operandi diferente.
Peçamos aos participantes da Cúpula da Terra de 2012 que submetam às Nações Unidas, digamos em dois ou três anos, estratégias nacionais sob a forma de planos de desenvolvimento de longo prazo, construídos de maneira a explicitar a pegada ecológica e os objetivos sociais, a começar pela geração de oportunidades de trabalho decente?
Comparada ao método de negociação aplicado até agora, a compatibilização ulterior desses planos, com vistas à construção de sinergias positivas, permitiria uma maior efi ciência no exercício da governança global. Vale a pena lembrar aqui o precedente da Aliança para o Progresso lançada pelo presidente John Kennedy nos anos 1960.
O aggiornamento do planejamento não signifi ca uma simples volta aos paradigmas passados. O planejamento nasceu na era do ábaco, antes da invenção do computador. Por outro lado, precisamos de um planejamento democrático baseado no diálogo quadripartite entre o Estado desenvolvimentista, as empresas, os trabalhadores e a sociedade civil organizada. Não nos interessa o planejamento autoritário.
O princípio de responsabilidade diferenciada faz com que os planos dos países menos desenvolvidos devam ser cofi nanciados por um fundo de desenvolvimento sustentável e includente, administrado pelas Nações Unidas.
Tal fundo disporia de duas fontes de recursos: uma parcela importante do imposto sobre o carbono coletado nos países mais desenvolvidos e um percentual do PIB destes últimos, pelo menos 0,5%, já que as Nações Unidas nunca conseguiram pôr em prática a transferência de 1% do PIB dos países ricos aos países pobres. No contexto da transição para a economia verde, as razões para taxar o carbono são evidentes.
*Ecossocioeconomista da École des Hautes Études en Sciences Sociales.