Quando se fala em diversificação da matriz energética brasileira, a fonte eólica é, sem dúvida, uma das alternativas mais lembradas. Tudo parece conspirar a seu favor: baixo impacto ambiental, rapidez de implantação, insignificantes emissões de carbono. Mas o mesmo vento que faz ecoar quase que a unanimidade, traz uma inquietação latente: dá pra pagar a conta?
Energia eólica, como a maioria das fontes alternativas modernas, é ainda muito cara. O gerente de assuntos regulatórios da Consultoria Excelência Energética, Érico Garcia Brito, explica que o Brasil tem tomado medidas importantes para pomover a instalação de parques eólicos. Mas a diferença entre os valores do megawatt-hora (MWh) gerado por uma usina eólica e uma hidrétrica ainda é muito elevada devido, entre outros fatores, à carência de oferta dessa tecnologia no País.
Isso elevaria os custos de praticamente todas as instâncias do processo produtivo: desde a construção dos equipamentos até a implantação dos parques. Brito atenta para a importância de se levar em conta que ainda temos uma tradição essencialmente barrageira. Durante as últimas décadas, desenvolvemos conhecimento para a construção de hidrelétricas e investimos maciçamente nessa alternativa em relação aos outros países. Há, pois, um “esforço natural” em se priorizar essa tecnologia.
(Leia mais sobre a preferência do Brasil pela grande hidrelétrica e os combustíveis fósseis no post “Outra saída”, publicado neste blog.)
Mas o Brasil estaria tomando medidas importantes no sentido de tornar a sua matriz mais limpa. O primeiro leilão de energia eólica, ocorrido em dezembro passado, seria um desses exemplos. No encontro foram comercializados 1.805,7 MW de potência, que envolveram contratos num valor somado de R$ 19,59 bilhões. O que incomoda os defensoras das hidrelétricas, no entanto, é o valor do MWh negociado.
Segundo Carlos Rittl, coordenador do Programa de Mudanças Climáticas e Energia do WWF, apesar de o valor médio do MWh no leilão ter ficado em R$ 148,39, alguns dos contratos foram fechados a R$ 131. Para Rittl, se o governo se esforçasse em conceder ao setor eólico a mesma gama de incentivos que dispensa aos projetos de geração hidrelétrica, a diferença nos valores poderia ser bem menor. E isso poderia, de certa forma, derrubar a tese da viabilidade financeira de uma gigante hidrelétrica como Belo Monte em relação a projetos eólicos.
Na ponta do lápis
Rittl analisa que, sem os incentivos, o preço do MWh da usina no Xingu saltaria de cerca de R$ 77 para R$ 100. Com o mesmo esforço em subsidiar o setor eólico e desenvolver a produção de seus equipamentos em território nacional, as duas fontes energéticas poderiam se equivaler financeiramente.
“Isso se formos analisar apenas custos financeiros. Não estamos considerando nem impactos ambientais, nem sociais. O volume de terra retirado para a construção do reservatório da usina seria maior do que o que foi deslocado nas escavações do Canal do Panamá. Qual seria o custo disso, por exemplo?”, indaga Rittl.
A viabilidade de Belo Monte ainda envolveria outro calcanhar de Aquiles: o regime de chuvas na Amazônia. Segundo o especialista da WWF, as previsões do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) têm caminhado no sentindo de certa vulnerabilidade no clima amazônico, reflexo do aquecimento global. Os prováveis impactos ambientais na região alagada acabariam por intensificar esse processo, tornando ainda mais emergente a possibilidade de prejuízo na geração de energia. “Um parque eólico não conviveria com esse tipo de problema”.
Efeito em cadeia
Para Brito, um dos fatores que pressionam para cima os preços da energia eólica no Brasil está relacionado à taxa de retorno que as empresas estabelecem quando decidem investir em países ainda carentes da estrutura. Quando uma companhia vende energia, estabelece tetos mínimos que envolvem todos os riscos dos investimentos. Os primeiros leilões, portanto, trabalhariam com preços mais altos, mas, à medida que o setor for se consolidando, a tendência dos preços seria de queda. Hoje, o que há de produção de equipamentos no Brasil é liderado por poucas multinacionais, que se distribuem entre a fabricação de torres, aerogeradores e pás.
Quanto mais empresas investirem no País e quanto mais completa se tornar a cadeia nacional de produção desses equipamentos, mais atrativo fica o setor, mais segurança ele transmite, e, assim, mais companhias decidem investir. Mas, o que pode ser então a fagulha para esse processo?
Brito sinaliza que o esforço do governo é fundamental para o desenvolvimento de uma fonte energética nova. Os subsídios seriam indispensáveis para trazer indústrias e mitigar custos. Por enquanto, o Ministério das Minas e Energia (MME) estaria cumprindo uma tarefa importante promovendo leilões específicos para o setor. A necessidade mais urgente é sinalizar para o mercado que essas iniciativas serão constantes num prazo de pelo menos cinco anos. Isso estimularia companhias a aportarem investimentos no País.
A redução dos impostos na implantação de parques eólicos também poderia representar uma importante medida de estímulo ao setor. A construção dessas plantas compreende atualmente uma carga tributária acima de 30%, o que acaba por entravar o setor.
Outro esforço seria vender o conceito de energia renovável para o mundo. Essa poderia ser uma aposta do Brasil, já que nos países ricos, as pessoas tendem a valorizar muito mais um produto fabricado com fontes desse tipo do que algum originado em um processo alimentado por combustível fóssil. “A China está explorando carvão por problemas de demanda e devemos usar isso a nosso favor”, afirma Brito.
Apertando o cerco
A promoção dos subsídios ao setor eólico deveria ainda vir acompanhada por uma redução, ou mesmo eliminação, de incentivos concedidos a setores tradicionais, como os de óleo combustível e carvão mineral. Uma das iniciativas do governo nessa direção foi o estabelecimento de uma instrução normativa do IBAMA (acesse aqui o documento na íntegra) que obriga as termelétricas movidas a esse tipo de fonte a fazerem a mitigação do CO2 emitido em seus processos de combustão.
Isso tem trazido uma nova tendência para o cenário da energia de reserva no País, que, segundo Rittl, tende a abandonar cada vez mais a alternativa termelétrica para adotar a eólica. “A principal perspectiva atual da energia gerada pelo vento no Brasil ainda é suprir o déficit das hidrelétricas”.
Perspectivas
Segundo Brito, se o MME assumir um compromisso de médio prazo com todas essas políticas de incentivo e se o setor continuar reagindo positivamente a elas, a estimativa é de que nossa capacidade instalada, em 10 anos, assuma 10% de participação de geração eólica.
O governo já tem programados dois leilões para os próximos dias 18 e 19 de agosto. A expectativa é que sejam negociados de 10.000 a 11.000 MW, mais de cinco vezes o que foi fechado na primeira transação. “Nesse ano de eleições, o MME evitará contratar fontes fósseis e agirá no sentido da descarbonização da matriz, fazendo o possível para contratar fontes renováveis”, avalia.