O leitor Oswaldo (osgoju@yahoo.com.br) enviou este texto sobre a maneira criativa com que a cidade de Montreal tem estimulado o uso de bicicletas. Vale a leitura! E se você também quiser publicar aqui no Blog da Redação, escreva pra gente no site@pagina22.com.br.
“Se você é daqueles que na infância pedalou pelas ruas montado em sua bicicleta, mas parou porque o crescimento desorganizado da sua cidade lhe (nos) tirou esse direito, vale a pena conhecer a experiência de Montreal, ao menos virtualmente.
São mais de 300 quilômetros de ciclovias dentro desta grande ilha na qual se situa a segunda cidade mais populosa do Canadá, com cerca de 1.600 milhões de habitantes. Se por aqui os carros venceram a batalha – e para saber que essa afirmação não é exagero basta ler nos jornais que em julho de 2010 a indústria automobilística brasileira bateu mais um novo recorde de crescimento, quase 20%! –vale mesmo a pena recorrer a esta experiência canadense.
Além das muitas bicicletas particulares que levam todos os dias milhares de estudantes para as escolas e universidades, funcionários de terno e funcionárias de tailleur para seus locais de trabalho, há ainda o sistema Bixi. São bicicletas para locação, distribuídas por centenas de pontos na região que poderia ser considerada o “centro expandido” da cidade e que possibilitam fazer trajetos curtos ou percorrer até médias distâncias entre bairro-centro ou vice-versa.
Para quem pensa nos sistemas tradicionais de aluguéis de bicicleta, as bixis são inovadoras por serem ágeis, já que praticamente todo processo é automatizado e se dá nas próprias estações (abastecidas por energia solar) nas quais os usuários inserem um cartão de crédito, retiram e depois devolvem suas bicicletas não necessariamente no mesmo ponto.
Para os moradores ou para quem fica por períodos mais longos, fazer um plano anual é o mais comum, tanto pela agilidade facilitada por uma “chavinha magnética” que dispensa o uso do cartão de crédito e também pelo custo (neste ano de 2010, o plano anual custa $ 68,00). Após a adesão on-line ao plano anual, o usuário recebe sua chavinha em aproximadamente três dias pelo correio.
Por incrível que pareça, o sistema utilizado pelas bixis também dá conta de um problema recorrente em Montreal: os roubos de bicicleta. A cidade não é nada violenta, muito pelo contrário, mas especificamente para este bem de consumo existe um “mercado paralelo” que arregimenta outsiders para roubar e revender.
Se a bike estiver com algum problema, como um pneu furado, por exemplo, é só colocar de volta na máquina nos primeiros segundos e pegar outra sem custo ou a moratória de 5 minutos exigidos para quem tem o plano anual. Essa “carência” de 5 minutos também é prevista quando do retorno da bicicleta a qualquer base.
Talvez o único inconveniente da bixi seja quando se quer ir mais longe do que o centro expandido. O não retorno à base implica em pagamento extra que corre em progressão (para cada meia hora adicional $ 1.50 + $ 3.00 + $6.00 para cada uma das demais “meias horas”). Daí que em geral não compensa financeiramente estourar os 30 minutos e outros mais sem retornar à base e zerar seu status. Seria então o caso de alugar uma bicicleta no sistema convencional, que custa por volta de $ 30 dólares o dia.
Isso tudo é novidade em Montreal, sendo este o segundo ano de funcionamento desse sistema. Prova que transformações concretas podem ser implementadas em relativo curto espaço de tempo em contextos urbanos consolidados. Ano passado, nem tudo foram flores, com problemas nas estações, fator que fez com que alguns olhassem com desconfiança e não aderissem. Mas, no geral, a adesão é grande e não resta dúvidas que a iniciativa é um sucesso. A privilegiada malha de ciclovias tem se expandido ainda mais após as bixis. Uma intervenção comum é ver as ruas serem estreitadas num espaço equivalente a uma pista para abrigar novos corredores de bicicletas.
Outra informação que merece nota é que, após o primeiro mês de uso, cada usuário pode acessar via Internet seu account statement. É uma coisa incrível: você tem acesso a um pormenorizado histórico de todos os locais, horas de uso, percursos, distâncias e outros detalhes daquilo que fez ao utilizar as bixis. Além do mais, são apresentados os cálculos de quanto você deixou de emitir em poluentes e outros dados do quão positivo para o meio ambiente foi sua iniciativa de pedalar.
Por essas e por outras é fácil se entusiasmar pelas bixis. Tristeza mesmo é viver com a expectativa de voltar para São Paulo e retomar a vida de antes, depois de viver alguns meses numa cidade com tantas ciclovias e com uma cultura da bicicleta que movimenta uma verdadeira economia. São muitos os prestadores de serviços com suas oficinas (bicicletarias) e diversas as lojas que vendem equipamentos e uma quantidade incrível de modelos de bicicletas.
Em Montreal, bicicleta é coisa séria. Infelizmente é perigoso e desgradável pedalar em cidades como São Paulo, confinado aos (poucos!) parques. É uma experiência que não tem muito a ver com esta cidade canadense, onde se pedala para escola, para o trabalho, para o cinema e, às vezes também, por pura diversão, para os parques.
Esse e outros temas aparentemente já adentraram na seara das discussões sobre direitos e uso que se faz (ou não se faz) do espaço público. Sem políticas públicas nem planejamento que levem a uma transformação concreta, dificilmente será possível enxergar as bicicletas como alternativa real e viável de transporte público, extrapolando o limitado papel que lhes é atribuído de lazer de final de semana.”