A malária foi responsável por metade das mortes de humanos ocorridas desde a Idade da Pedra. O cálculo é de Sonia Shah, que acaba de lançar “The Fever: How Malaria Has Ruled Humankind for 500,000 Years” (“A Febre: Como a Malária Controlou a Humanidade por 500 mil anos”). Em artigo publicado há poucas semanas no Wall Street Journal, Shah conta como a doença, tão ignorada pela imprensa brasileira e internacional, expande impávida seu território.
Hoje, 300 milhões de pessoas contraem malária a cada ano, um em cada 22 habitantes do planeta. Cerca de 1 milhão morre em decorrência, apesar de sabermos como evitá-la (usando mosquiteiros e outros artefatos que impeçam a picada do mosquito) e curá-la (com medicamentos anti-parasitários).
Um dos enfoques de Shah é a incompetência da Humanidade em lidar com o plasmódio, um parasita que não cessa de avançar, e que deverá ganhar ainda mais importância graças às mudanças climáticas. Ela conta, por exemplo, que o médico do imperador romano Caracala (século II) desenvolveu um amuleto com a inscrição “Abracadabra”, que teria o poder de proteger seu portador contra a doença. A distribuição de mosquiteiros por organizações humanitárias não seria muito mais efetiva, já que muitas vezes o artefato acaba convertido em rede de pesca ou simplesmente abandonado.
A autora conta como Ronald Ross, um médico do exército britânico que participou da identificação do mosquito como vetor da malária, cobriu brejos com uma fina camada de óleo para matar as larvas do inseto. Com isto, acreditava, erradicaria a doença. Na virada do século passado, ele chegou a declarar que a malária desapareceria em breve. “Em dois anos”, declarou, iludido, “erradicaremos a malária de todas as cidades de médio e grande porte dos trópicos”.
Mais tarde, nos anos 50, o inseticida organoclorado DDT virou a panacéia anti-malária da vez. Quase 100 países, Brasil inclusive, despacharam fumigadores a milhões de casas, espalhando a toxina em suas paredes e caixas d’água na esperança de exterminar o mosquito. A operação teve sucesso temporário, reduzindo as ocorrências de 350 milhões para 100 milhões anuais. Hoje, praticamente voltamos aos números originais.
Embora a malária seja considerada uma “doença de pobre” e desperte menos comiseração internacional do que o câncer ou a Aids, a verdade é que não faltou dinheiro para o seu combate. As campanhas de dedetização teriam custado pelo menos US$ 9 bilhões, em valores atualizados. Atualmente, os maiores investimento partem da Bill & Melinda Gates Foundation (que eu já havia citado aqui), hoje a maior frente de combate à malária, cuja meta é erradicá-la de vez.
Shah parece cética quanto a essa possibilidade. O parasita continua por aí, firme e forte, com maior resistência aos medicamentos e ao DDT. “Parte da genialidade maligna da malária está no fato de que, desde a Antiguidade, ela nos enganou, fazendo-nos pensar que ela é um problema trivial, fácil de resolver”, diz Shah. Boa parte da imprensa e dos governos cai nessa feito patinhos.