Avanços científicos são surpreendentes, mas não há tecnologia que substitua a boa gestão da biodiversidade
Extinção é para sempre – ou melhor, era. Graças a ciência, obstinação e um punhado de dinheiro, espécies que haviam sido declaradas extintas estão começando a voltar à vida. A experiência com maior sucesso ocorreu no início do ano passado, quando cientistas espanhóis anunciaram o nascimento de um íbex-dos-pireneus – um cabrito montês que era abundante na fronteira entre França e Espanha até dois séculos atrás.
Pouco a pouco, a espécie definhou devido a doenças recorrentes e a ação de caçadores. Em 2000, o íbex foi declarado espécie extinta quando Celia, último exemplar conhecido, foi encontrada morta, possivelmente atingida com a queda de uma árvore. Amostras da sua pele foram preservadas em nitrogênio líquido e, no ano passado, usadas por pesquisadores do Centro de Tecnologia e Pesquisa de Alimentos de Aragón e do Instituto Nacional de Pesquisa em Agricultura e Alimentos, de Madri, em um processo de clonagem semelhante ao que gerou a ovelha Dolly.
O material genético de Celia deu origem a 439 pré-embriões, que foram implantados nos úteros de cabras domésticas. De um deles chegou a nascer uma fêmea de íbex-dos- pireneus. Esta foi a primeira experiência “bem-sucedida” de clonagem de uma espécie considerada extinta – as aspas se devem ao fato de que a cabrita morreu minutos após seu nascimento por falência respiratória, um problema comum entre animais clonados.
Outros grupos estão tentando gerar animais por meio de cruzamentos seletivos de espécies aparentadas. Na África do Sul, cientistas querem recriar o quagga, uma subespécie de zebra em que apenas a cabeça e o pescoço são listrados. Nos Estados Unidos, há um esforço para recuperar a tartaruga-gigante de Galápagos, dizimada no século XVIII.
Essas duas estratégias – clonagem e cruzamentos seletivos – dão resultados muito diferentes. A primeira tem a vantagem de produzir animais idênticos à espécie original. Entretanto, ele não dá origem a uma população geneticamente diversa, sustentável a longo prazo. A não ser, é claro, que se promova a clonagem a partir do material genético de centenas de indivíduos diferentes, o que é muito difícil, dada a dificuldade de se obtê-lo.
O problema dos cruzamentos seletivos é outro. Essa técnica milenar, que escolhe a dedo características específicas de modo a induzir o nascimento de filhotes cada vez mais próximos da espécie extinta, é um processo demoradíssimo, que pode levar dezenas de anos. Além disso, seus resultados são meramente aproximativos. Ou seja: os rebentos podem até parecer com os da espécie extinta, mas provavelmente terão muitas características exóticas.
As duas técnicas estão sendo utilizadas, simultaneamente, para trazer à vida o auroque [1], um bovino de mais de 1 tonelada que povoava as planícies da Europa, da Ásia e do Norte da África. Esse antepassado do gado moderno não passa hoje de uma vaga lembrança, retratado em pinturas rupestres famosas, como as da gruta de Lascaux, na França. O último auroque de que se tem notícia morreu em 1627, numa floresta da Polônia.
[1] Segundo relatos do imperador romano Júlio César, ele seria pouco menor que um elefante e amplamente caçado por tribos germânicas no século anterior a Cristo.
Cientistas de vários países estão tentando ressuscitar esse animal. Na Itália, o Consórcio para Experimentação, Disseminação e Aplicação de Biotecnologias Inovadoras, sob auspício da ONU e do governo do país, está cruzando raças de bovinos de grande porte da Escócia, Espanha e Itália, e comparando o material genético dos bezerros gerados com o do auroque, que o grupo mapeou utilizando-se de ossos particularmente bem preservados. Por outro lado, cientistas da Fundação Polonesa para a Recriação do Auroque optaram pela via mais moderna e estão tentando clonar o animal a partir de amostras de dentes e ossos guardadas em museus, com o apoio do Ministério do Meio Ambiente da Polônia.
Antes dos italianos e dos poloneses, dois irmãos, Lutz e Heinz Heck, já haviam tentado recriar os auroques na Alemanha nazista, por meio de cruzamentos seletivos. Os descendentes desses rebanhos ainda podem ser vistos em zoológicos e reservas naturais – embora ninguém realmente acredite que este gado de pelagem vagamente semelhante à dos auroques, mas de porte mirrado, seja realmente próximo da espécie extinta de um ponto de vista genético.
Extinção já não é para sempre, mas a complexidade e os resultados imperfeitos dessas iniciativas só ressaltam que não há tecnologia que substitua a boa gestão da biodiversidade.
*Jornalista especializada em meio ambiente.