O Oswaldo Gonçalves Junior, nosso leitor/colaborador, é também um experiente campista. Aqui, ele fala sobre as delícias de percorrer os parques de Quebec, no Canadá, e sobre como o exemplo da boa gestão de unidades de conservação por lá poderia também inspirar o Brasil.
Ainda que não seja fácil comparar países, que têm sempre peculiaridades e trajetórias históricas próprias, vale a pena olhar para experiências de fora a fim de inspirar novos caminhos por aqui. Esse é o caso da gestão de unidades de conservação da natureza, especialmente os parques, e do acesso de seus cidadãos a esses espaços no Canadá.
De princípio, já pode parecer meio óbvio o quão grandes são as diferenças em termos de organização desses espaços. Entretanto, o objetivo deste artigo não é reforçar a imagem do “quanto somos atrasados”, mas sim procurar trazer elementos que ajudem a entender melhor como os canadenses chegaram a esse patamar. Ou seja, comparar pode ser um bom caminho para que avancemos para além daquilo que nossa imaginação permite.
Um primeiro aspecto que chama a atenção quando se pretende visitar um parque canadense é o acesso a informação. No caso da Província do Quebec, elas são disponibilizadas pelo órgão oficial responsável pelo setor, o SEPAQ (Société des établissements de plein air du Québec), uma agência do governo daquela Província, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Sustentável.
Numa parte específica da página eletrônica do Órgão, pode-se encontrar uma ampla gama de informações sobre cada um dos 23 parques nacionais da Província. Se a intenção é fazer “turismo de aventura”, o interessado será surpreendido novamente pelo rol de informações detalhadas, inclusive com mapas disponibilizados das trilhas.
Se a pretensão é permanecer no parque por mais de um dia, há duas modalidades para isso: alugar uma cabana ou acampar com sua própria barraca. A primeira opção é algo extraordinário para aqueles que podem gastar um pouco mais e que querem maior conforto. Mesmo sem luxo, a cabana já está lá montada sobre um piso de madeira do tipo “tablado”, que a mantém afastada do solo, e conta com fogão a gás, camas, luz elétrica, entre outras benfeitorias.
Para quem quer acampar, existem espaços específicos para isso: clareiras nas quais cada barraca fica isolada uma das outras, cada qual contando com uma mesa de piquenique e uma pequena estrutura para que se possa fazer fogo.
As belezas naturais, a estação do verão e a qualidade daquilo que se encontra nesses locais geram uma procura intensa que obriga aqueles que querem permanecer por alguns dias a iniciar um planejamento com algumas semanas de antecedência. E isso pode ser facilmente feito via Internet, na página específica do parque que se quer visitar, acessada a partir do site do SEPAQ. Para isso basta informar o período de dias pretendidos e visualizar on-line um mapa do acampamento, com os lugares (clareiras) já ocupados e aqueles ainda disponíveis para cada tipo de barraca.
Após a escolha, efetua-se o pagamento via cartão de crédito no próprio site. Neste segundo semestre de 2010, o preço da diária para uma barraca de até três pessoas era de aproximadamente $ 20.00.
Se tudo parece perfeito até aqui, outras agradáveis surpresas ainda virão para aqueles que nunca estiveram num parque do Quebec. Chegar a uma portaria de um desses lugares chega a gerar incredulidade diante do que se vê. Isso porque é fácil imaginar estar participando de alguma daquelas “pegadinhas” em que a câmera fica escondida, tamanha a simpatia com que o visitante é tratado pelos sorridentes e prestativos funcionários.
No centro de acolhida, após o registro – que o funcionário faz acessando as informações previamente fornecidas via Internet – o visitante pode também adquirir lenha, que é vendida pelo próprio parque (cada feixe por $ 7.00), sendo esta compra a única condição para que se possa fazer fogo nos locais apropriados.
Em alguns parques, como o belo Parc national des Hautes-Gorges-de-la-Rivière-Malbaie, tanto no site quanto na chegada, o visitante recebe ainda uma série de instruções para evitar receber em seu acampamento a visita de um urso negro, animal presente na área e ávido na busca pelos mais variados mantimentos que exalem odor, até mesmo pasta de dente. No final do dia, um entusiasmado funcionário irá até sua clareira convidá-lo para assistir também a uma das palestras que são oferecidas e que podem, inclusive, ensiná-lo a lidar melhor com a situação quando do encontro com um urso negro numa das trilhas do Parque. Mas, mais comum que os ursos são as diferentes espécies de esquilos, coelhos e faisões, facilmente avistados e que exibem muito pouco receio se aproximando dos humanos. Outras palestras oferecidas todas as noites são bastante freqüentadas, com um misto de conteúdo informativo e educação ambiental.
Outro belíssimo parque não muito distante de lá, o Parc national des Grands-Jardins, possui um cânion fantástico! Para quem gosta de “fazer trilha” esses lugares se revelam incríveis, pois contam com uma beleza natural muito bem conservada, rios, lagos, florestas e vistas magníficas. A estrutura das trilhas é invejável, tanto pelo seu traçado, quanto pelas soluções encontradas em termos de sinalização e manutenção, como passarelas em locais alagados e escadas em locais mais suscetíveis à erosão.
Outra característica que impressiona são as estradas para se ter acesso a esses parques. Além de um asfalto impecável, o caráter cênico dos trajetos revela que esses projetos são muito bem sucedidos ao levarem em conta a união do potencial turístico de cidades próximas com o atrativo em si, que são essas áreas destinadas à conservação do patrimônio natural daquele país.
E talvez esse seja o maior ensinamento que a experiência canadense pode nos dar: de que as áreas a serem protegidas não devem ser isoladas da sociedade, sejam dos turistas ou de populações tradicionais, muitas vezes pressionadas a abandonarem essas áreas como infelizmente mostra nossa história neste campo. Quando se olha para a experiência de Brasil e Canadá nesse setor, portanto, somos levados a pensar no quanto as unidades de conservação podem ser atrativas ou repelentes para os humanos, seja de maneira deliberada, seja pela má gestão dessas áreas.
Há mais de 20 anos venho percorrendo trilhas no Brasil, muitas das quais em áreas tidas como “oficialmente protegidas”, como são os parques nacionais e estaduais e, como alguns, vivencio os percalços daqueles que praticam o chamado “turismo de aventura”, atividade que existe há mais de 100 anos no Brasil, mas que, sob olhares de desconfiança, vem sendo mantida ainda numa espécie de “gueto”.
A experiência canadense mostra que clareza nas regras, transparência e organização na utilização de áreas protegidas são caminhos mais virtuosos por possibilitarem unir conservação com acesso democrático, sem falar no potencial econômico e social que a atividade do turismo pode gerar. Mesmo sendo difícil comparar, e sem querer desprezar a beleza do Canadá, a diversidade e exuberância natural do Brasil poderiam torná-lo sem concorrentes a altura nesse setor.