O agronegócio brasileiro e a Embrapa devem estar nas nuvens. Não é para menos: a revista The Economist publicou um longo artigo na edição de 3 de setembro sobre o “milagre” agrícola nacional, apontando os resultados da pesquisa da Embrapa e a alta produtividade das fazendas brasileiras como alternativa aos cenários pessimistas de que não será possível alimentar a crescente população do mundo sem destruir o meio ambiente. Na concepção da The Economist, meio ambiente parece incluir apenas as florestas: o fato de que a transformação do Brasil em eficiente produtor agrícola se deu às custas do Cerrado passa batido.
Leitores de longa data de Página 22 talvez se lembrem da edição, publicada em abril de 2008, dedicada aos biomas “sem-floresta”. “O olhar internacional não sabe da existência de nada no Brasil que não seja a Amazônia”, disse o biólogo e vice-presidente do Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê), Claudio Valladares Pádua, em entrevista naquela edição. A não ser que seja um mar de plantação onde antes havia cerrado.
A The Economist cita números impressionantes. Entre 1996 e 2006, o valor total das safras brasileiras subiu de R$ 23 bilhões para R$ 108 bilhões, ou 365%. O País ultrapassou a Austrália como maior exportador de carne e responde por um terço das exportações mundiais de soja – uma safra de zonas temperadas. A revista celebra o fato de que tudo foi feito sem subsídios governamentais e sem derrubar a Amazônia. “[O Brasil] é frequentemente acusado de cortar a floresta para criar fazendas, mas quase nada dessa nova terra (disponível para a agricultura) está na Amazônia; a maior parte é cerrado”, diz a reportagem.
Parece que ninguém contou aos jornalistas da The Economist que o Cerrado é a savana mais rica em biodiversidade e em biomassa do mundo, como destacou Carlos Nobre, do Inpe, na edição de P22 sobre os biomas. Que ali se formam os rios que geram energia elétrica para 90% da população brasileira. E que, segundo previsão da ONG Conservation International constante da reportagem sobre o Cerrado naquela edição, com o atual ritmo de exploração, o bioma deve se exaurir até 2030. Se a previsão se concretizar, talvez então fique claro o verdadeiro custo do milagre agrícola brasileiro.
A The Economist aplaude os esforços da Embrapa para tornar o Cerrado produtivo e especula se a experiência brasileira poderá ser exportada para as savanas da África, ajudando a alimentar os nove bilhões de pessoas que, estima-se, povoarão o planeta em 2050. Além das técnicas e expertise da Embrapa, o que precisa ser exportado, segundo a revista, é o modelo de agricultura em escala, voltado para o mercado global. “O Brasil representa uma clara alternativa à crença crescente de que, na agricultura, menor e orgânico são mais bonitos”, diz em editorial.
Não há dúvida de que há que se encontrar formas de garantir alimento para a crescente população humana e tampouco se questiona a performance recente brasileira quanto à produtividade agrícola. Mas o cenário pintado pela The Economist ignora o custo do “milagre” brasileiro a outros biomas que não a Amazônia, assim como os riscos de se apostar apenas em uma agricultura de escala e cada vez menos diversa.