O Economista indiano Pavan Sukdeh é conselheiro especial do PNUMA e liderou o estudo The Economics of Ecosystem and Biodiversity. À Página 22, ele falou sobre os principais avanços esperados para a Conferência da Biodiversidade (COP10), a partir do dia 10 de outubro, no Japão, e sobre a força do setor privado.
O senhor tem acompanhando os movimentos empresariais em prol da biodiversidade que estão acontecendo no Brasil?
Na América Latina, mais de 53% dos CEOs entrevistados sobre a perda de biodiversidade reconheceu isso como um risco substantivo para seus planos de negócios futuros, em comparação com 18% na Europa. Claramente há uma forte conscientização na América Latina sobre a importância da biodiversidade. E no Brasil, eu diria, ainda mais, por causa da existência não somente da Amazônia, mas também das savanas e outras florestas. Há uma compreensão do que a natureza significa para os negócios e a sociedade.
Pergunto especificamente sobre movimentos empresariais, a exemplo do capitaneado pelo Instituto Ethos, Natura e outras empresas.
Essa é uma ideia boa. O que eu vi na Carta (Empresarial pela Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade) é um interesse expresso pela Natura e outras empresas de fazer a mudança acontecer no sentido de que a biodiversidade seja reconhecida na esfera das políticas, na esfera administrativa, e também na esfera dos negócios. Acho que eles cobrem todos esses pontos, e eles falam sobre como a importância da biodiversidade deveria ser reconhecida e como o valor da biodiversidade deveria ser recompensado. Em outras palavras, que aqueles que estão conservando a biodiversidade deveriam ter alguns benefícios. Acho que esse é um passo na direção certa.
O senhor acredita que as empresas no Brasil têm sido movidas por risco ou por oportunidade?
Ambos. Uma empresa como a Natura é movida por oportunidade porque a busca por materiais naturais é parte de seu negócio e de seus planos. Há outras, que por exemplo estão na agricultura, onde podem ver os impactos da degradação do solo e da perda de água doce quando se degrada a biodiversidade e se perde terra fértil. Essas são movidas mais pelos riscos. Na medida em que o Brasil explora os oceanos, novamente será movido pelos riscos, pois acaba de aprender as lições da BP no Golfo do México. Você precisa considerar o valor dos ecossistemas e o risco aos ecossistemas se você está realizando atividades complexas de perfuração em águas profundas. Dependendo do tipo de empresa, há algumas que reconhecem as oportunidades e outras que reconhecem riscos.
Qual o peso do setor privado na conservação da biodiversidade em comparação com o peso do governo, das políticas e do ambiente institucional?
O setor corporativo tem uma fatia da economia maior que a do governo. No Brasil, acho que de 75% a 80% da economia é basicamente setor privado. Obviamente que o setor privado tem um impacto significativo na biodiversidade porque seus impactos são o uso da terra para produção de alimentos ou produtos de exportação como soja e carne. Há um impacto enorme do setor privado simplesmente pelo seu tamanho e porque a economia tem um grande componente que depende da terra, seja para mineração, agricultura ou sistemas agroflorestais. Ao mesmo tempo, para que a mudança ocorra, para mudar o comportamento corporativo e mudar os incentivos, o governo é vital porque, embora seu próprio impacto na biodiversidade não seja tão grande – e talvez seja positivo porque ele introduz áreas protegidas –, a realidade é que o governo também determina as leis e as políticas. Então o governo tem um enorme papel a desempenhar, garantindo que o campo no qual as corporações trabalham e ganham dinheiro seja tal que não afete a natureza e a biodiversidade.
No Brasil temos um arcabouço institucional muito complicado para o setor privado atuar. Em que medida ele consegue influenciar o sistema institucional de modo a promover mudanças rapidamente?
Eu acho que o setor privado tem que assumir a liderança. Há empresas como a Natura que demonstram claramente a vontade de agir. Sei que eles já tiveram discussões com a cadeia de fornecedores sobre os impactos negativos da cadeia, incluindo plásticos e materiais e embalagens e assim por diante. Esse tipo de discussão é muito saudável porque força a cadeia de fornecedores a acordar e a entender seus impactos sobre a sociedade, tanto positivos quanto negativos, o que inclui seus impactos sobre a natureza. Esse é um exemplo de como uma empresa pode começar, e ter uma conversa com sua própria cadeia de fornecedores. Outro exemplo é para onde a empresa direciona seus consumidores, seus clientes, oferecendo produtos melhores que têm impacto menor. Produtos que a empresa posiciona como um brand, como algo único e positivo. Tanto no lado dos fornecedores como no lado dos consumidores, a corporação pode fazer a diferença. Acho que isso vai acontecer cada vez mais nos próximos anos, já estamos vendo isso em algumas empresas.
Qual sua expectativa em relação à COP 10 em termos de avanços nas negociações e quanto o setor empresarial pode influenciar essas negociações?
Ele pode apoiar os resultados, porque desta vez na COP haverá um foco muito mais claro em metas para a biodiversidade. Nos últimos 10 anos, as metas visavam não aumentar o ritmo de perda [de biodiversidade]. Essa é uma meta muito geral, é soft. Espera-se que dessa vez haverá metas melhores sendo acordadas. E quando chegar a hora de cumprir essas metas, porque as corporações são de 70% a 80% da economia, torna-se muito importante que elas colaborem – se não colaborarem, o governo não cumprirá suas metas.
Por isso essa COP é importante, para ver o que acontece com as metas. Mas há duas outras coisas de interesse que ocorrerão na COP. Uma é acesso e repartição de benefícios e, se houver acordo, haverá algumas oportunidades futuras de negócios para o acesso responsável ao material genético e ao conhecimento das comunidades locais, em que se busca o engajamento das comunidades em primeiro lugar. Se o acesso ou o conhecimento é permitido, deve ser realizado a um preço justo, um preço que reconheça a importância das comunidades locais como um stakeholder no capital natural.
Em segundo lugar, acho que dessa vez haverá uma discussão sobre a introdução do capital natural no sistema de contas nacionais. Entendo que o Banco Mundial está interessado em promover essa ideia.
Antes não havia uma preocupação por parte das empresas em relação à biodiversidade. A mudança foi muito rápida, não foi?
Definitivamente, foi enorme. Sou um banqueiro de investimentos, estou em licença de dois anos e meio para fazer esse projeto do Teeb [The Economics of Ecosystems and Biodiversity]. Venho dizendo as mesmas coisas há muitos anos, mas, há cinco anos atrás, as pessoas nem ouviam, elas esperavam que eu parasse de falar sobre isso e voltasse ao trabalho. Agora me dizem que devo conversar com elas, me perguntam sobre aquilo que eu já dizia há três anos. De repente a atitude mudou, vejo isso nos meus diálogos com meus clientes, meus colegas no Deustche Bank. Nos três anos em que estou fazendo esse projeto, tenho visto essa mudança.
Em relação à COP 15, o senhor disse que embora os sinais não estivessem nas ruas, as pessoas sabem qual é o caminho: o da economia verde. Ou seja: as metas não foram definidas, mas as pessoas sabem aonde devem chegar. É possível que em relação à COP 10 aconteça a mesma coisa: que não haja metas, mas exista a consciência de que o caminho é esse?
Acho que a conscientização está crescendo. Espero que três coisas positivas saiam dessa CBD. Uma é que deve haver algum acordo sobre Acesso e Repartição de Benefícios. Segundo, deve haver algum acordo para avançar na contabilidade de ecossistemas, o que significa incluir o capital natural – que é o maior ativo de um país – no balanço dos países e passar a contabilizar perdas. Se você não tem os ativos registrados no seu balanço, como uma empresa, não vai contabilizar as perdas. Isso requer uma mudança nas contas nacionais, foi proposta pelo Teeb e pela CBD, e espero que a iniciativa seja iniciada dessa vez. E a terceira coisa pela qual estou torcendo que aconteça é um avanço no acordo pra criar uma instituição chamada IPBES, o Painel Intergovernamental para a Biodiversidade e Serviços Ambientais. Isso permitiria que o conhecimento seja reunido, e sua qualidade controlada, em um único lugar. E permitiria a colaboração entre países.
Não é o mesmo do que com a mudança climática, a biodiversidade não é um gás, então você não pode estabelecer metas para a biodiversidade tão facilmente como para o clima, é muito mais complicado. Além disso há três camadas, há um bem público local, há um valor nacional e há a escala global. O local significa que a comunidade, por exemplo, colhe o açaí e vende; o nacional significa que a floresta fornece água doce e nutrientes do solo para que a agricultura seja boa; e o nível internacional significa que a floresta captura carbono para que o mundo esteja mais seguro. Há essas três camadas quanto aos bens públicos fornecidos pela biodiversidade, então nunca será tão fácil para o IPBES concordar sobre qualquer coisa em comparação com o IPCC. Por isso não devemos pensar equivocadamente sobre o que essa instituição faz, o mais importante é que haverá um lugar para ir em busca do melhor conhecimento sobre o assunto, e isso é muito importante, a qualidade.
No relatório Teeb, a agricultura é apontada como um dos grandes vetores de perda de biodiversidade. E a economia verde no Brasil tem sido sinônimo de criação de empregos na agricultura, com a biomassa. Então parece haver uma contradição: o que gera empregos verdes no Brasil pode piorar a conservação da biodiversidade. A certificação pode ser a saída para evitar tal contradição?
A maneira correta de definir um emprego verde é se ele faz parte de um negócio verde, que não apresenta quaisquer riscos ecológicos ou ambientais. A base da agricultura sustentável é o baixo uso de químicos, pesticidas e fertilizantes, o uso de uma diversidade de safras em uma mesma localidade, o uso de plantio direto, reuso ou reciclagem de água doce, reuso de biomassa ou reciclagem de estrume animal – há uma centena de maneiras de tornar a agricultura sustentável, de forma a não ter impacto líquido negativo sobre a biodiversidade ou risco negativo ambiental em termos de poluição ou eutrofização. Há formas positivas de agricultura, nem toda agricultura é má, são só aquelas formas menos cuidadosas de agricultura industrializadas que tendem a ter esse problema. E não é que todo o Brasil seja de um tipo ou de outro, é uma mistura, eu suspeito.
Acredito que estamos longe de chegar em uma agricultura sustentável.
No Brasil há grandes áreas que estão sendo cultivadas com base no que chamamos do modelo de agricultura industrial, ou o chamado modelo de agricultura convencional, em que não há muito controle de químicos, pesticidas e fertilizantes. Se eles forem controlados, e se houver menos uso danoso da terra, pode-se chegar lá, mas obviamente isso requer reconhecimento pelas empresas, pelo consumidor na forma de certificação, pelo governo ao não dar os subsídios errados. Estes são o que chamamos de subsídios perversos.
Não sei os números do Brasil, mas sei os números globais. Hoje os subsídios totais para a agricultura são US$ 275 bilhões por ano globalmente, é uma montanha de dinheiro. O número total para o subsídio de preço dos combustíveis fósseis, basicamente petróleo e gás, é US$ 550 bilhões, os subsídios de produção são US$ 100 bilhões. Coletivamente, óleo e gás e pesticidas químicos recebem quase US$ 1 trilhão em subsídios todos os anos. É uma ideia inteligente? Obviamente o Brasil não é o único lugar que tem um problema, o mundo inteiro tem um problema. Esses são incentivos perversos. Quem decide tudo isso? Os governos. Todos os governos ao redor do mundo têm de focar no tema dos subsídios e reduzir os subsídios perversos.
E também criar incentivos positivos.
Claro, mas o primeiro passo é reduzir os negativos, se livrar dos incentivos ruins e então começar a introduzir alguns bons. Suponha que está dirigindo um carro, com um pé no acelerador e outro no breque, o que acontece com o carro? Não pode fazer os dois ao mesmo tempo, acaba apenas desperdiçando dinheiro.