Companhias de seguro defendem melhorias no gerenciamento de risco nos países em desenvolvimento
A indústria de seguros é um dos setores econômicos que se têm mostrado mais atuantes na discussão de políticas climáticas. Cientes de que um mundo com o clima instável altera a natureza do próprio negócio, as seguradoras estão adaptando seus produtos e, mais recentemente, centrando sua atenção nos países em desenvolvimento. Como mostram diversos estudos, as regiões mais pobres do planeta são exatamente as mais vulneráveis aos impactos de desastres naturais.
De acordo com relatório publicado pela companhia alemã Munich Re, nos últimos 30 anos, 85% das mortes relacionadas com catástrofes naturais ocorreram em países em desenvolvimento. Dados revisados pelo IPCC, em seu quarto relatório, indicam que a frequência e a intensidade desses desastres devem aumentar com as alterações do clima. Por isso, as seguradoras defendem que é preciso melhorar a gestão de risco nas economias emergentes.
Em termos práticos, as companhias recomendam que essa gestão deixe de ser feita apenas por uma empresa ou alguns setores específicos da economia e ganhe escala nacional. Assim, um planejamento mais detalhado poderia evitar, por exemplo, obras de infraestrutura em locais ameaçados. “Cada país tem suas diferenças, um plano não serve para todos. O importante é criar uma cultura de gerenciamento de risco, fazer uma avaliação de risco nacional ou mesmo criar um departamento que seja transversal a várias atividades econômicas”, explica Andrew Voysey, secretário-executivo da ClimateWise [1], uma aliança de 40 seguradoras preocupadas com a mudança climática.
[1] Iniciativa que tem o príncipe Charles como patrono, a ClimateWise foi criada em 2006. As empresas-membros seguem uma série de princípios que pode ser lida aqui.
Em 6 de setembro, a ClimateWise – ao lado da divisão financeira do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma-FI) e de outras empresas de seguros – lançou, durante encontro em Londres, um manifesto em defesa de maiores investimentos em prevenção de risco em nações em desenvolvimento. O grupo, que ao final reuniu cerca de 100 seguradoras de todo o mundo, fez um chamado para que os governos criem um ambiente regulatório que permita a implementação de instrumentos de controle e compensação de danos causados por alterações climáticas.
“Acreditamos que, em um mercado livre e transparente, as companhias seguradoras podem exercer seu papel fundamental: dar indicações de longo prazo sobre o preço do risco”, diz Voysey. Segundo ele, a iniciativa liderada pela ClimateWise é uma forma de difundir a regiões mais vulneráveis conceitos que, durante anos, têm permitido que setores econômicos funcionem com eficiência.
Alguns exemplos ajudam a tornar mais claro qual é o papel das seguradoras em um mundo afetado pela mudança do clima. Na Mongólia, pastores tiveram rebanhos de gado assegurados pelo governo após uma sequência de invernos severos que não permitiram a regeneração das pastagens. O valor do seguro pago foi de US$ 1,4 milhão. No Caribe, um esquema para compensar danos causados por desastres naturais pagou US$ 6,3 milhões às Ilhas Turk e Caicos, após serem atingidas pela Furacão Ike, em setembro de 2008.
Não seria difícil, portanto, imaginar que o Brasil poderia beneficiar-se de um esquema semelhante. Basta olhar para a forte estiagem que atingiu o País em agosto e setembro: diversos agricultores perderam suas lavouras, cidades na Amazônia ficaram isoladas. Qual foi o custo real da seca de 2010 para a economia do Brasil?
Para as seguradoras, talvez mais importante seja perguntar como evitar danos ainda maiores no futuro. Tal interesse pode despertar algum grau de desconfiança, já que, no final das contas, evitar o risco econômico representa basicamente comprar uma apólice de seguro. E o mercado, aparentemente, não é pequeno: nas últimas três décadas, os prejuízos causados pelos desastres naturais foram, em média, US$ 90 bilhões por ano, e 78% desse valor se devem a fenômenos climáticos.
Entretanto, com a tendência de aumento do valor desses danos, as próprias companhias seguradoras parecem um pouco assustadas. Andrew Voysey, da ClimateWise, pondera que existem oportunidades, mas “ainda há muito trabalho a ser feito” para se captar o “preço do risco”.
—————————————————————————————————————————————–
A competitiva energia do vento
As usinas eólicas foram para o Leilão de Fontes Alternativas, no final de agosto, dispostas a convencer o mercado de que elas são um bom negócio. O preço médio do megawatt/hora foi o mais competitivo em relação a biomassa e PCHs participantes, um ótimo resultado para uma fonte que era considerada de alto custo. Ricardo Baitelo, do Greenpeace, aponta outras vantagens competitivas das eólicas como energia do futuro: “Se considerarmos a cadeia completa, ela é a que tem menor impacto ambiental, e o potencial de geração é dez vezes maior que o das PCHs”. A Europa espera que as usinas eólicas forneçam 15% de toda a energia da comunidade até 2020. No Brasil, Baitelo acredita que há potencial para chegar a 20%.
———————————————————————————————————————————————
Entrevista: Jorge Vivan – O carbono pode ajudar a agricultura de pequena escala a conservar florestas
O consultor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Jorge Vivan, pesquisa serviços ambientais e estímulos econômicos para a conservação em um projeto experimental de extrativismo e sistemas agroflorestais no noroeste de Mato Grosso. Seus estudos apontam que o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) é economicamente promissor e pode ajudar a resolver problemas de inadequação do uso do solo, mas as políticas de incentivo ainda são tímidas.
As agroflorestas compensam os custos de oportunidade da agropecuária convencional? O custo de oportunidade de soja em Mato Grosso é de US$ 1.500 ha/ano. Um agricultor que já tenha um mercado estabelecido está tirando esse mesmo valor com consórcio de café, cacau e pupunha com madeiras nativas. Se ele aumenta a tecnologia do plantio, adiciona citrus, ou faz o sistema um pouco menos diverso, passa para US$ 2.600 ha/ano. Com gado de leite mais de corte, a renda está em torno de US$ 350 ha/ano; e só gado de corte gera US$ 117 ha/ano, caso ele tenha um bom manejo. Isso é facilmente superado por café sombreado ou cacau, por exemplo. Mas há dois problemas. Um é o fluxo de caixa, pois no segundo ano já se vende bezerro e leite, enquanto o cacau leva até três anos para produzir. O segundo é a capacidade de manejo. Um agricultor consegue manejar facilmente 50 hectares de pasto, mas no máximo 20 hectares de agroflorestas.
Onde entra o PSA nesse cenário? A castanha, por exemplo, vai render de US$ 30 a US$ 130 ha/ano, e quanto melhor o manejo maior a renda. Temos um cenário interessante em que ela dá a mesma renda que o gado de corte e ainda torna os 80% de reserva legal produtivos. Mesmo que a castanha dê a metade do gado, se nessa floresta nós medirmos um estoque de carbono de 200 toneladas, já completaria a renda. Mas estamos falando de propriedades de 10 a 100 hectares. Para esse público, o PSA não é adequado em escala individual, uma vez que ele funciona como um catalisador que pode trazer benefícios coletivos como agroindústria, processamento da madeira etc. O PSA pode ser visto como uma política complementar dentro de uma estratégia de reorientação do uso da terra em uma região que o faz de forma insustentável, como é o caso de pastagem em áreas de floresta. Não se trata de eliminar o gado, mas de mantê-lo e aprimorar seu manejo, e recuperar áreas improdutivas ou de baixa renda com sistemas que agregam mais valor.
É realista pensar em pequenos agricultores entrando no mercado de carbono? Onde há volatilidade – as pessoas daqui a pouco vão embora, passam o lote para outro – é inviável, pois o comprador não teria segurança. Eles podem se candidatar, desde que tenham credibilidade, como uma comunidade rural onde as pessoas estão há dez anos e há uma associação que pode ser juridicamente responsável. Mas será preciso aporte de recursos para montar a linha de base, o monitoramento e a organização do projeto. Um assentamento não tem como bancar isso, mas uma universidade pode receber o recurso do governo e fazer. É o que está acontecendo na África Central e nas Filipinas, onde já existem esses projetos. E, antes disso, é possível investir em outras políticas. A experiência do assentamento Vale do Amanhecer [em Juruena, noroeste de MT], ainda em pequena escala, mostra isso. Lá tem o programa de Desenvolvimento Rural Sustentável do Banco do Brasil, uma parceria com a Michelin para compra do látex e o programa de aquisição da Conab. Não é PSA direto, mas não deixa de ser uma forma, pois estimula uma atividade sustentável que mantém estoques de carbono.