No país da biodiversidade, explorar poucas espécies florestais contraria mais do que a lógica ambiental: as consequências comerciais também são nefastas
A biodiversidade, ou a falta dela, bate à nossa porta. Por que consumimos com tão pouca diversidade? Há um modo de produção ou hábito cultural que nos leva a superexplorar determinadas espécies? Quem pode interferir nisso: a indústria, o governo, o consumidor ou as universidades? Por ora, vamos nos deter no segmento da madeira.
Na construção civil, passando por movelaria e o paisagismo urbano, algumas espécies são usadas à exaustão por determinados períodos, até que um decreto federal proíba sua exploração, pois há o risco de que elas sumam. A arborização das cidades é feita com poucas espécies que “marcam época” e depois saem de moda. Jasmim, azaleia, sibipiruna, pau-ferro, tipuana, fícus, palmeiras ajudam a “datar” a formação de determinados bairros em cidades como São Paulo. E nem sempre são as mais adequadas ao espaço urbano.
A peroba-rosa e o pinho-do-paraná são as “árvores da vez” na construção civil e já andam raras e caras. Mas, antes, quem desapareceu das prateleiras foi o mogno e, antes do mogno, o ipê. Assim foi e será se não houver mudança no modo de pensar. João Antônio Prestes, diretor de recursos naturais e negócios florestais do Grupo Orsa, diz que, ao se fazer o manejo florestal, não se pode escolher: é preciso trabalhar com o que a natureza oferece naquele local. “Dentro daquela gama de espécies, você retira alguns exemplares da madeira desejada. Mas, quando seleciona apenas uma espécie e tira tudo o que encontra dela, não deixa exemplares para produzir sementes e empobrece a floresta”, explica.
Para ele, a indústria em geral não quer saber de diversidade, e sim de atender o modismo em voga e oferecer ao consumidor o que é mais barato e acessível. Mas depois o barato fica bem caro, pois as espécies superexploradas se tornam inviáveis economicamente. Nesse sentido, o modismo que contraria a lógica ambiental é também incoerente com a lógica do mercado, diz Luis Fernando Laranja, diretor-executivo da Ouro Verde Amazônia, empresa do Grupo Orsa que atua com produtos florestais não madeireiros. “E há muitas dúvidas sobre como se inicia esse ciclo vicioso. O que dá prioridade à exploração de uma espécie: é a indústria, o consumidor ou a comodidade de todos?”
Pesquisa, dinheiro e cultura
Roberto Waack, presidente da Amata – empresa florestal cujo principal produto é a madeira certificada – e do conselho internacional do FSC, lembra que a pesquisa e o desenvolvimento em novas espécies de madeira implicam trabalho para muito tempo e dinheiro. “A gente não conhece todo o potencial da biodiversidade brasileira porque não tem dinheiro para fazer pesquisa”, diz.
O atual arcabouço legal e institucional também desfavorece esse investimento, como mostra a reportagem Valor em cadeia. “Então, o modo de produção acaba concentrado em algumas espécies”, diz. Ele ressalta a falta de conhecimento sobre o comportamento de cada espécie para seus usos variados, ou seja, como aquela nova madeira reage ao calor, à umidade, ao tempo.
Ainda sem a escala desejada de aplicabilidade, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) realiza um trabalho interessante sobre as novas espécies. Uma das pessoas envolvidas no trabalho é o pesquisador da Seção de Sustentabilidade de Recursos Florestais do IPT, Márcio Nahuz. O instituto fez uma pesquisa em todas as regiões produtoras de madeira do País, coletando amostras e verificando os usos e destinos das árvores, e também edita um catálogo, em parceria com a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente da cidade de São Paulo e o Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon), sobre o uso sustentável de madeira no segmento.
No catálogo é possível encontrar, por exemplo, uma lista com os tipos de madeira que podem substituir a peroba-rosa e o pinho-do-paraná, com características gerais e específicas, durabilidade, usos indicados e observações dos pesquisadores, formando uma ficha de cada espécie e mostrando a enorme diversidade de madeiras que o País apresenta.
Nahuz não acredita no desinteresse da indústria pela inovação na matéria-prima. Ele diz que certos grupos estão atentos à excelência de novas madeiras, mas não citou nomes que estariam seguindo essa direção. “É por tentativa e erro que as madeiras ocupam lugar no mercado”, afirma o pesquisador.
Nahuz acredita que a busca por substituições de espécie ocorre de maneira natural. A madeira começa a faltar, torna-se cara, então todos vão atrás da substituta, sem uma pressão ou movimento orquestrado em busca de certos tipos.
“Na construção civil, o preço orienta a cadeia, não há alternativa”, afirma João Antônio Prestes, para quem falta “um pacto” para a conservação da biodiversidade das florestas. Esse acordo evitaria extremos, como a proibição do consumo por um decreto federal. Antes que determinada espécie fosse consumida em excesso, outras opções já deveriam ser implementadas na cadeia, principalmente na indústria e nas grandes distribuidoras.
Além do modismo, outro ingrediente é o hábito cultural. As pessoas não têm muito interesse pela variedade. “Existe uma zona de conforto humano que define padrões de consumo. Arriscar não é todo dia, a rotina não é feita de novidade”, afirma Waack, da Amata.
Nesse caso caberia uma campanha de marketing entre arquitetos e designers para valorizar o uso de espécies sustentáveis na construção da casa? Sim e não. Waack avalia que é preciso enfatizar e colocar certo glamour nessa campanha pela biodiversidade, mas os consumidores com acesso a esse tipo de orientação constituem uma parcela pequena, o topo da pirâmide. Já a base da pirâmide, segundo ele, quer homogeneidade. “Madeiras diferentes vão dar mais trabalho ao marceneiro, pode sair mais caro e ainda aparecer alguma surpresa. A peroba você sabe que, depois de vinte anos, não vai carunchar ou apodrecer”, diz.
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Que fim quase levou a galinha caipira?
Em uma reunião preparatória realizada no Brasil para a COP de Nagoya, um dos debates se deu em torno do hiperaprimoramento genético dos animais de produção. Frango, vaca leiteira e animais rústicos, como o porco selvagem, estão em vias de desaparecer. Graças ao banco genético da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), algumas espécies estão garantidas, informa Luis Laranja, veterinário e diretor-executivo da Ouro Verde Amazônia, que participou da reunião. “Quanto da variabilidade genética desses animais pode ser importante no futuro?”, indaga.
A produção de leite, por exemplo, é oriunda em 80% de uma única raça. O frango padronizado e modificado pela indústria da carne praticamente eliminou a galinha caipira, considerada de baixa produtividade. Mas, com a crescente preocupação por um consumo consciente, a galinha caipira volta a ser consumida por uma parcela da população. E se a carga genética do bichinho tivesse desaparecido? Luis Laranja pontua a importância da preservação dessas espécies consideradas mais rústicas, até mesmo em razão dos movimentos de bem estar animal que hoje encontram maior ressonância na Europa. Os sistemas de alta produtividade das indústrias criam animais em confinamento considerado cruel, onde o bicho mal consegue se mover.
Se a campanha pelo bem-estar animal se expandir, as pessoas vão querer o porco criado livre, o boi no pasto, o frango caipira. Luis Laranja analisa que, nesse caso, o modismo futuro viria beneficiar a conservação da biodiversidade animal.
Por enquanto, a busca da produtividade ainda fala mais alto. Os Estados Unidos estão prestes a aprovar um salmão alterado em laboratório que cresce duas vezes mais rápido que o natural, o que aumenta a probabilidade de ele se tornar o primeiro animal transgênico a ser servido nas mesas de jantar do mundo.