Como acontece com a aviação ou a indústria do petróleo, as empresas do segmento dos transgênicos terão agora que resguardar suas operações com uma espécie de seguro para compensar eventuais impactos sobre o ambiente e a saúde humana. A resolução que prevê a obrigatoriedade do serviço foi assinada pelo Brasil na última sexta-feira, às vésperas do início da 10ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, a COP-10, em Nagoya (Japão).
O documento apresenta um texto bastante genérico, recheado por lacunas que deixam em aberto detalhes como o formato dos serviços e as regras em que serão aplicados. Mas, no geral, seu funcionamento seria semelhante a qualquer outra forma de seguro: comprovado algum malefício causado por transgênicos, as seguradoras pagariam às vítimas – ou aos governos, se os danos fossem ambientais – as indenizações equivalentes aos prejuízos.
Para Marijane Lisboa, professora da PUC-SP e especialista em meio ambiente e relações internacionais, a definição não traz nada de particular. “Desde que os navios portugueses faziam suas viagens às Índias, já existiam formas de segurar os riscos. O que é realmente novo é verificar esses serviços sobre atividades tecnológicas mais recentes e com riscos extremos”, revela.
Segundo a professora, um dos principais desafios das seguradoras será estimar os riscos da transgenia , numa tentativa de calcular eventuais danos à biodiversidade e consequências sobre a saúde das populações.
A maior conquista da resolução, destaca Marijane, é justamente obrigar a economia a desenvolver esse tipo de serviço. A dinâmica do mercado obrigará os produtores e comerciantes a se enquadrarem nos padrões de qualidade das seguradoras. Se não respeitarem essas condições, não serão segurados e, sem isso, ficarão de fora da concorrência internacional.
A adesão do Brasil ao acordo enfrentou, no entanto, uma série de resistências dentro do próprio governo. Até horas antes da assinatura, o Ministério da Agricultura ainda pressionava para que o País desistisse da ideia. A alegação foi de que a obrigatoriedade do seguro elevaria os custos de produção da soja – principal commodity transgênica brasileira –, prejudicando sua posição na disputa com outros grandes produtores que não assinaram, como os Estados Unidos e a Austrália.
Essa resistência pode se manifestar novamente quando for a vez do Congresso validar os termos do acordo, etapa necessária para que tenha validade nacional. Como afirma Marijane, na prática, ainda não há nenhuma definição. Somente os estudos na área é que determinarão quem exatamente – e sobre qual serviço – pagará a conta. O governo não é obrigado a seguir os termos, mas poderá enfrentar sérios problemas diplomáticos caso não os cumpra.
“O Brasil não está interessado numa posição de isolamento nem de desmoralização internacional, principalmente porque tem objetivos claros na ONU, como a liderança na discussão da biodiversidade e a própria cadeira fixa no Conselho de Segurança”, completa.