O resultado da décima Conferência das Partes da Convenção da Diversidade Biológica (COP10), em Nagoya, representa um pequeno passo para a biodiversidade, mas um grande passo para o multilateralismo em questões ambientais
Acordos na calada da noite têm o condão de surpreender. E foi assim, na madrugada do dia 30, que os 193 países da Conferências da Partes da Convenção da Diversidade Biológica (COP10), em Nagoya, aprovaram uma resolução esperada há mais de 20 anos. Para os expectadores habituados à reticência inerte das COPs, o resultado não poderia ser melhor.
A proposta para o Protocolo de Acesso e Repartição de Benefícios da Biodiversidade (ABS, na sigla em inglês), agora Protocolo de Nagoya, estava na mesa para deliberação desde a emblemática Rio-92. Ele estabelece que os países detentores de recursos genéticos utilizados em empreendimentos comerciais devem ser ressarcidos, bem como as comunidades eventualmente detentoras do conhecimento tradicional associado.
O grande ganho é o esforço de conter a biopirataria, além da motivação para que os países megadiversos enxerguem no estímulo econômico mais um motivo para conter a perda de biodiversidade. Houve discordância por parte da Bolívia e da Venezuela, que no entanto não se recusaram a seguir o consenso.
O Protocolo de Nagoya vem sendo comparado a um marco da Convenção do Clima, o Protocolo de Kyoto, e esse paralelismo pode levar a diferentes interpretações. Por um lado, Kyoto representou o primeiro compromisso numérico de redução de gases de efeito estufa e inaugurou Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), instrumento que aumenta as possibilidades de redução, pela via do mercado. Por outro, as metas estabelecidas não foram cumpridas pela maioria dos países. E o MDL, excessivamente burocrático e limitado, só foi capaz de evitar menos de 1% das emissões globais anuais.
Quando se trata do multilateralismo em assuntos ambientais, sucesso e fracasso são, portanto, questão de ponto de vista. Sergio Abranches, em entrevista à Globonews, deixa isso claro ao comparar Nagoya à famigerada COP 15, em Copenhague. Na conferência do clima, havia uma ideia clara e precisa do acordo necessário, respaldado pelo IPCC. Qualquer definição inferior a isso seria considerada um fracasso. Já sobre Nagoya não pesava nenhum tipo de expectativa, o que teria iluminado o caminho para o consenso possível.
Há quem diga que a relativa irrelevância dos dois países mais poderosos do mundo também favoreceu o avanço na Convenção da Diversidade Biológica. Os Estados Unidos sequer assinaram a CDB e a China não está nem no grupo dos países megadiversos, nem naquele dos rigorosamente ricos, chamados a financiar os esforços de conservação no Sul global.
Sob muitos aspectos, o acordo da biodiversidade é tão vago e incipiente quanto o de Copenhague. Não se sabe ainda que força terão as metas de conservação assumidas, de 10% para os oceanos e 17% para os ambientes terrestres, já que as metas anteriormente estabelecidas para 2010 foram praticamente ignoradas.
Mas há uma diferença fundamental entre as agendas do clima e da biodiversidade. Como demonstramos na reportagem “Esqueceram de mim“, a questão climática (mal ou bem) avança com seus instrumentos de mercado, com uma única medida, espécie de moeda de troca, e um único inimigo: o gás de efeito estufa. Já as questões de biodiversidade sempre foram mais complexas e difusas, sem medida única e sem um caminho econômico claro.
Como diz a editora de Página 22, Amália Safatle, o desempenho da CDB em Nagoya é comemorado como o de uma criança que dá os seus primeiros passos. Já de um jovem adulto, a Convenção do Clima, espera-se muito mais.
Mesmo assim, quando o modelo ONU de negociar soluções globais já tinha levado muita gente a jogar a toalha, dá gosto de ver uma conferência terminando com sorrisos e aplausos. Quem sabe, uma inspiração para Cancun.