Em maio deste ano, em referência a uma matéria do New York Times, contamos aqui no blog o que estava acontecendo com o microcrédito em países como o México e a Nigéria, onde instituições bancárias foram acusadas de rechearem seus bolsos às custas de altas e – praticamente impagáveis – taxas de juros. Tratava-se de uma completa distorção nos objetivos sociais do programa originalmente proposto pelo economista Muhammad Yunus.
Desta vez, a história é com a Índia. E parece que bem pior. Seu setor de microfinanças está preocupado com o que pode se tornar a pior crise do segmento já vista no país. O clima esquentou durante as últimas semanas, quando políticos instigaram os devedores a não pagarem suas dívidas sob a alegação de que as empresas de microcrédito estariam obtendo seus maiores lucros às custas dos pobres.
Cerca de 80% do dinheiro emprestado por essas instituições foram reservados ao crédito para pessoas de baixa renda. A SKS, uma das maiores da Índia, têm crescido a taxas próximas dos 100% ao ano. Só no último mês de agosto, o banco levantou mais de US$ 350 milhões no mercado acionário. Investidores famosos como George Soros e Khosla Vinod, co-fundador da Sun Microsystems, fazem parte da carteira de acionistas da instituição.
Em resposta ao clima de revolta sobre os abusos no setor de microfinanças – e as histórias de pessoas que se suicidaram por não conseguirem quitar suas dívidas – políticos do estado de Andhra Pradesh aprovaram, no mês passado, uma legislação para controlar os empréstimos e a captação de dinheiro por esses bancos.
Mesmo depois da nova regulação, políticos continuaram incentivando as pessoas a não pagarem o que deviam, fazendo com que quase US$ 2 bilhões não chegassem aos cofres dos bancos. Credores afirmam que menos de 10% dos mutuários fizeram pagamentos nas duas últimas semanas.
As altas taxas de inadimplência, no entanto, não são uma característica dos negócios de microcrédito. Pelo contrário, quando foi criado por Yunus, o programa se destacou justamente por conseguir com que mais de 98% dos empréstimos fossem pagos em dia. Talvez essa disparidade se deva ao fato de que o que se vê na Índia não passa de uma versão desvirtuada do projeto original, que tem como objetivo final a geração de renda entre as camadas mais baixas da população.
Uma das mais importantes assistentes sociais indianas, Ela Bhatt, que lidera a Associação das Mulheres Trabalhadoras Independentes (a SEWA, em inglês), afirmou que o microcrédito não se resume à simples concessão de crédito a pessoas que precisam de dinheiro, mas envolve também juros baixos e um serviço de consultoria financeira.
“Eles [os bancos indianos] estavam mais preocupados com o crescimento – não o crescimento dos meios de vida e a situação econômica dos clientes, mas apenas o crescimento de suas instituições”, completou.
O fenômeno que se vê na Índia lembra um pouco o que está acontecendo aqui no Brasil, com o crescimento dos empréstimos pessoais e a explosão das financeiras. Só para pontuar, de acordo com o Serasa, as instituições de crédito no País estão entre as mais caloteadas nos últimos meses.