A fusão entre clima e biodiversidade
O Redd avança usando a lógica de compensar o custo de oportunidade do desmatamento. Um dos riscos é favorecer grandes proprietários rurais em detrimento dos pequenos
Em decorrência do formato das decisões tomadas em 1992 na Cúpula da Terra no Rio de Janeiro, a proteção da biodiversidade e o combate ao aquecimento global são temas que não se misturam na agenda das Nações Unidas. No entanto, o desmatamento de florestas tropicais, por ser uma fonte relevante nas emissões de gases de efeito estufa, tem colocado essas duas dimensões da questão ambiental no mesmo tabuleiro. Essa fusão tem sido acelerada pela busca de instrumentos econômicos que permitam conservação da natureza com geração de renda.
O mais conhecido é o Redd-plus, sigla para Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (o plus inclui conservação da natureza e reflorestamento). Embora dependa ainda de uma série de decisões a serem tomadas pela ONU, o conceito por trás do instrumento já está estabelecido. O Redd é hoje a proposta mais concreta para se compensar a floresta em pé.
Muitos ambientalistas veem com ressalvas a estratégia de calcular o valor das florestas com o uso do preço de mercado de carbono. O pesquisador de primatas Ian Redmond, por exemplo, tem dito em diversas conferências que as florestas são muito mais do que carbono. “Uma floresta cheia de grandes árvores pode parecer saudável, mas ela estará condenada a morrer se não houver vida sob o dossel, pois são os animais que ajudam a polinizar as plantas.” Por essa razão, nas negociações de Redd que ocorrem na ONU, algumas ONGs têm advogado a inclusão de salvaguardas para proteção da fauna, como a proibição de caça nos projetos aprovados.
Outra grande preocupação diz respeito à corrupção. Há cerca de dois anos, em uma conversa durante a Conferência sobre Mudança Climática, em Poznan, na Polônia, o fundador da organização não governamental Global Witness, Patrick Alley, definiu bem o status do Redd: “É a melhor oportunidade já vista para direcionar recursos para a floresta”, disse. Por outro lado, a possibilidade de que milhões de dólares comecem a fluir para nações em desenvolvimento fez com que ele levantasse questões importantes sobre a capacidade de gerenciar com transparência os projetos florestais. “Estamos falando de países como Brasil e Camboja, que têm longo histórico de corrupção no manejo de suas florestas”, alertou ele, na ocasião.
De acordo com estudo comissionado pelo governo britânico em 2008 a um time liderado pelo empresário Johan Eliasch, uma quantia de US$ 27 bilhões poderia ser investida anualmente até 2020 em esquemas de redução de emissões por desmatamento, dos quais possivelmente um terço seria obtido no mercado de carbono. Esse investimento permitiria cortar pela metade o desmatamento de florestas tropicais ao redor do globo.
Desde a conversa com Patrick Alley, muita coisa aconteceu no desenvolvimento de estratégias da chamada “governança florestal”. ONGs do mundo inteiro começaram a desenvolver metodologia de como um projeto de Redd deve ser implementado para beneficiar comunidades pobres e de fato atingir o objetivo de reduzir as emissões causadas pelo desmatamento. Um dos trabalhos tem sido desenvolvido pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e o Instituto Centro de Vida (ICV), em parceria com o World Resources Institute (WRI). Um bom projeto, segundo sua metodologia, necessita respeitar questões como posse de terra, monitoramento e distribuição de recursos.
Talvez o ponto sobre como dividir os benefícios seja o mais delicado. Isso porque existe uma grande chance de que pequenos proprietários de terra não sejam os maiores beneficiários da compensação. Um estudo do Centro Internacional de Pesquisa Florestal (Cifor) feito no Brasil indica que, na Amazônia, o mais provável é que grandes fazendeiros, mesmo os que já vêm desmatando há anos, sejam aqueles com maior potencial de ganhar dinheiro. A explicação está na lógica de compensação do custo de oportunidade que existe no Redd. “Quando 80% de um problema ambiental é causado por grandes proprietários de terra, qualquer solução terá de prover algum tipo de compensação por suas perdas”, explicou o autor principal do estudo, Sven Wunder. Interromper de fato o desmatamento significaria pagar aos seus principais causadores valores semelhantes aos lucros obtidos com a derrubada da mata. O custo de oportunidade na floresta brasileira significa equiparar o valor do carbono em um hectare aos ganhos obtidos com a pecuária ou a soja, a madeira ou outro produto que gere desmatamento.
__________________________
Corte de subsídios pode reduzir emissões nos EUA
Cortar subsídios diretos e indiretos ajudaria os EUA a reduzir suas emissões de CO² e, ainda, a enfrentar sua dívida pública de US$ 13,1 trilhões. É o que sugere o relatório Green Scissors 2010, produzido pela Amigos da Terra Internacional e mais três organizações americanas. O documento aponta quatro áreas prioritárias para cortes no orçamento do período de 2011-2015 que poderiam representar uma economia de até US$ 200 bilhões e incluem subsídios como o Oil Pollution Act, de 1990, que limita a responsabilidade da indústria para acidentes de perfuração em altomar, como o da BP no Golfo do México em abril deste ano. O estudo reconhece que a proposta necessita de muita vontade política para ser posta em prática, mas pequenos passos foram dados. No ano passado, o governo cancelou um programa de reprocessamento de lixo nuclear que custaria US$ 500 bilhões.
__________________________
Entrevista: Craig Hanson
Estudo do World Resources Institute aponta 1 bilhão de áreas que podem ser reaproveitadas pela agricultura
Sabe-se que mudanças no uso da terra, como desmatamento e queimadas, são uma das principais causas de emissões de gases-estufa. Lidar com o problema, entretanto, tem-se provado difícil.
Uma das razões é a disputa por terras para a produção alimentar. Como produzir comida para uma população mundial em crescimento e ao mesmo tempo conservar as áreas com vegetação natural? Uma das respostas pode estar em um novo levantamento feito pelo World Resources Institute em parceria com a Universidade de South Dakota. A análise sugere que existe cerca de 1 bilhão de terras degradadas ao redor do mundo e que elas poderiam ser restauradas como forma de quebrar o dilema comida versus florestas.
O projeto, encampado pelo príncipe Charles, foi lançado oficialmente em novembro durante um evento em Londres. Para saber mais, conversamos com Craig Hanson, um dos coordenadores da análise:
Qual foi a metodologia para calcular o total de áreas degradadas que podem ser reaproveitadas? Primeiro identificamos terras que estavam degradadas, o que envolveu uma análise do total de carbono na paisagem e nos estoques de biodiversidade. Depois aplicamos uma série de critérios. São eles: adequação biofísica, viabilidade econômica, aceitação social e disponibilidade legal.
Como a iniciativa foi criada e como ganhou o apoio do príncipe de Gales? O Word Resources Institute estava concentrado em utilizar terras degradadas (especialmente a savana alang-alang na Indonésia) para a expansão de óleo de palma (em vez de a cultura se desenvolver desmatando florestas nativas). Mais ou menos na mesma época, o Projeto do Príncipe para Florestas Tropicais já estava de pé e apontando que a expansão agrícola é o principal vetor de desmatamento nos trópicos. Nós então nos encontramos (com os executores do projeto) e decidimos colaborar, olhando especificamente para o potencial de restaurar terras degradadas para o uso agrícola como um meio de reduzir a pressão sobre as florestas.
Que tipo de incentivo financeiro ou político está faltando para a restauração em larga escala dessas terras? Uma questão é que as companhias não sabem exatamente onde essas terras estão. Assim, consideramos muito importantes a análise e o mapeamento que estamos fazendo. Outra questão é que os processos para obter concessões sobre as terras não são claros. Por exemplo, algumas terras degradadas na Indonésia que poderiam ser usadas para óleo de palma estão classificadas como florestas do Estado. Então, em alguns casos, o zoneamento necessita ser refeito para permitir atividades nas áreas degradadas.
Como o Brasil poderia utilizar terras degradadas de forma economicamente viável? Pelo que sei, existe muita conversa sobre “terras degradadas” no Brasil e uma variedade de números flutuando sobre quanta terra degradada está disponível. Recuperar essas áreas e colocá-las de volta para pastagem ou agricultura pode ter um papel importante, aliviando a pressão sobre as florestas brasileiras. O Brasil pode ter comida e florestas ao mesmo tempo. E é claro que algumas das áreas degradadas poderiam voltar a ser floresta também.
*Jornalistas especializados em meio ambiente.