O plano brasileiro para uma “economia verde” corre o risco de ser uma coleção de ações microeconômicas sem conexão com o todo
Há duas esquisitices bem sintomáticas na versão do Plano de Ação para Produção e Consumo Sustentáveis (PPCS), lançada em setembro pelo Ministério do Meio Ambiente para consulta pública.
A primeira surge logo na capa: não foi possível identificar uma central sindical de trabalhadores que esteja envolvida em atividades de gestão ambiental, produção mais limpa e desenvolvimento sustentável. Se existisse, ela compartilharia a autoria do documento com seis ministérios (Cidades, Ciência & Tecnologia, Fazenda, Indústria, Meio Ambiente e Minas e Energia), três entidades de empresas responsáveis (Cebds, Cempre e Ethos), duas confederações (Indústria e Comércio), dois serviços do sistema “S” (Sebrae e Senai), um banco (BNDES), uma organização de defesa dos consumidores (Idec), uma fundação de ensino e pesquisa (FGV) e uma associação de instituições de pesquisa (Abipti).
Esses dezessete atores elaboraram um excelente texto de 80 páginas que aponta o caminho que poderá levar o Brasil a ter uma “economia verde”, conforme a terminologia recentemente adotada pela ONU para se referir àquilo que desde 2003 o Processo de Marrakesh vem chamando de Produção e Consumo Sustentáveis (PCS) [1].
[1] O Processo Marrakesh teve início durante a reunião da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em Johannesburgo, com o objetivo de acelerar as mudanças globais em direção a padrões sustentáveis de consumo e produção.
Em 2002, quando se fez um balanço da década na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, em Johannesburgo, ficou patente que a questão do consumo não tinha evoluído na maioria dos países. Então, uma parceria de dois órgãos da ONU – o Programa para o Meio Ambiente (Pnuma) e o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais (Undesa) – ficou encarregada de promover um processo de mudança que acabou batizado de Marrakesh, devido ao local de sua primeira reunião. Visa essencialmente dar aplicabilidade e expressão concreta à noção de PCS, solicitando e estimulando os países participantes a elaborar planos de ação que serão compartilhados em nível regional e mundial, gerando subsídios para a construção doC.
Na apresentação do PPCS brasileiro, a ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira alerta que sua elaboração foi mais do que cumprir esse compromisso assumido com as Nações Unidas na adesão ao Processo de Marrakesh. “Foi um ato revolucionário em muitos aspectos, pois desde sempre os atores que discutem a produção mais limpa não são os mesmos que buscam aumentar a consciência do consumidor em relação ao impacto ambiental e social de suas escolhas.”
De fato, há uma ótima passagem no documento brasileiro na qual foram apresentados 20 exemplos ilustrativos de iniciativas de PCS: Boas Práticas Agropecuárias, Campanhas de Consumo Consciente, Compras Públicas Sustentáveis, Portal de Contratações Públicas Sustentáveis, Novo Protocolo Verde ou Protocolo de Intenções pela Responsabilidade Socioambiental, Estímulo às Cooperativas de Catadores, Fixação de Preço Mínimo de Produtos do Extrativismo, Varejo Sustentável, ISE Bovespa, Selo Procel, Procel Edifica, Construção Sustentável, Agenda Ambiental na Administração Pública (A3P), Sistema Integrado de Bolsa de Resíduos (Sirb), Resíduos Sólidos, Inovação Tecnológica, Nota Verde, Turismo Sustentável, Programa de Substituição de Geladeiras, e Programa de Qualidade Ambiental – Colibri/ABNT.
Também é quase integral a coincidência entre esses 20 exemplos de iniciativas de PCS já em curso e as 17 prioridades identificadas como “espinha dorsal” do plano. Todavia, apenas seis delas foram selecionadas pelo governo federal para os próximos três anos: Educação para o Consumo Sustentável, Compras Públicas Sustentáveis, Agenda Ambiental da Administração Pública (A3P), Aumento da Reciclagem de Resíduos Sólidos, Promoção de Iniciativas de PCS em Construção Sustentável e Varejo e Consumo Sustentáveis.
Depois do detalhamento dessa meia dúzia de prioridades, são explicadas as estratégias e os mecanismos de execução do plano, assim como um esquema de monitoramento. Pois é justamente nesse fecho que o leitor perceberá qual é a segunda esquisitice. Em 80 páginas, não há sequer uma menção ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Pior, o termo “investimento” só aparece em quatro passagens: duas consagradas à Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), lançada em maio de 2008 para enfrentamento da crise, outra dedicada à A3P, e a quarta numa curta menção ao Programa Minha Casa Minha Vida.
É muito estranho que a nação adote um Plano de Ação para Produção e Consumo Sustentáveis que conversa com praticamente todos os programas do governo federal, exceto com o que ele considera o principal. Só se pode deduzir que o PPCS será uma ótima coleção de boas intenções microeconômicas sem qualquer conexão com a efetiva estratégia macroeconômica do governo: pisar no acelerador da insustentabilidade.
* Professor titular da FEA e orientador do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP (mais aqui).