Os alimentos geneticamente modificados (GM) serão chave para o mundo no futuro próximo. A afirmação não vem das fabricantes de sementes GM, como se poderia esperar, mas do assessor para assuntos científicos do governo do Reino Unido, John Beddington, que também é professor de Biologia de População do Imperial College de Londres.
“A era de preços declinantes para os alimentos acabou e temos que enfrentar isso”, disse Beddington ao jornal The Observer. Um índice calculado pela Food and Agriculture Organization (FAO) das Nações Unidas ultrapassou em dezembro passado o pico registrado em junho de 2008. O índice reflete aumentos nos preços de todas as commodities alimentares e reforça os temores de que, com a volta do crescimento econômico após a crise financeira detonada em 2007, o mundo enfrente dificuldades para suprir a demanda por comida. Isso sem contar os desastres naturais que afetaram regiões produtoras recentemente e cuja freqüência e intensidade devem crescer com os efeitos das mudanças climáticas.
O Gabinete para a Ciência do governo britânico, chefiado por Beddington, acaba de divulgar o estudo The Future of Food and Farming, que especula sobre como alimentar uma população crescente diante de incrementos de 40% na demanda por alimentos, 30% no uso de água e 50% no uso de energia até 2050 – sem contribuir para as emissões de gases de efeito estufa e a degradação dos ecossistemas em geral. O estudo defende que não se feche a porta para nenhuma solução possível.
“As visões sobre como a produção de alimentos é feita tornaram-se mais polarizadas ao longo da última década. Esse é particularmente o caso para algumas formas de tecnologia moderna, como clonagem e modificação genética”, diz o estudo. “Contudo, evidências oriundas de uma ampla gama de estudos indicam que não há uma abordagem única capaz de garantir níveis altos, sustentáveis e resilientes de produtividade e valor”, diz o estudo. “Serão necessários, portanto, uma perspectiva ampla que englobe o sistema de alimentos como um todo e um misto cuidadoso de abordagens. Isso deve incluir a biotecnologia, mas também áreas da ciência como a agronomia e a agroecologia, que têm recebido menos investimento recentemente”.
De fato, o estudo lista entre as 100 questões mais importantes para o futuro da agricultura a descoberta de medidas práticas para reduzir as barreiras ideológicas entre alimentos orgânicos e GM de forma a explorar o potencial conjunto de ambos os modos de produção. Parece impossível? Não para Pam Ronald, pesquisadora da Universidade da Califórnia em Davis, para quem a biotecnologia pode dar uma mão às práticas orgânicas.
Pam lembra que um dos argumentos comuns contra os orgânicos é que, a despeito de serem mais eficientes e menos danosos ao meio ambiente, sua produtividade é mais baixa. “Quando olhamos para a produção global no mundo, de 30% a 40% da safra potencial se perde devido a pestes. É aí que a biotecnologia pode ajudar”, diz ela. Foi o que aconteceu no Havaí, onde uma variedade transgênica de mamão papaia deteve a destruição de lavouras inteiras por um vírus. “A agricultura orgânica é um sistema completo, que olha para o ambiente como um todo, o ambiente da agricultura. A biotecnologia é apenas uma ferramenta que pode ser usada para gerar novas variedades de sementes que podem ser usadas em qualquer prática agrícola”, acrescenta Pam.
No momento, o que separa a biotecnologia da agricultura orgânica não são só questões ideológicas, mas barreiras de mercado. Protegidos por patentes, os organismos GM são domínio de poucas e grandes empresas, enquanto os produtos orgânicos reforçam seu nicho de mercado ao opor-se frontalmente aos GM. Uma forma de quebrar tais barreiras é promover a inovação aberta na área de biotecnologia, como faz a Cambia, uma ONG fundada pelo biólogo molecular Richard Jefferson em 1992. A missão da Cambia, segundo Jefferson, é criar uma ecologia da inovação para que pequenas e médias empresas possam enfrentar os desafios da agricultura, meio ambiente e saúde, que são locais por natureza e modestos na produção de margens de lucro.
Por enquanto, a biotecnologia “open source” está longe de ser a prática dominante de mercado, assim como parece estar o dia em que vamos ver nas prateleiras produtos GM e orgânicos.