Depoimento de Cinthia Dall’Agnol, uma das novas pesquisadoras do programa Desenvolvimento Local do GVces, sobre seu primeiro contato com o município que é foco do projeto Indicadores de Juruti
Foram dois vôos, três horas em meio a cochilos em Santarém e uma viagem em um pequeno avião executivo da Alcoa até Juruti. Não houve muito tempo pra refletir que foram deixadas pra trás oportunidades de trabalhos convencionais em escritórios administrativos, ao passo que eu iniciava uma avenida profissional em uma das regiões mais complexas do mundo, com conflitos e riquezas socioambientais de tamanha grandeza que nem mesmo os sistemas computacionais mais inovadores conseguiram resolver ou valorar. Mas, vendo toda aquela imensidão do alto, os estímulos visuais roubaram toda e qualquer possibilidade de pensar no que havia ficado pra trás, em São Paulo. De cima, a visão de solo paraense: tons de areia se mesclavam com o verde queimado das secas da floresta e áreas levemente alagadas que mais pareciam grandes poças. Foram 30 minutos e de repente, sobrevoamos a pista amarronzada de pouso, que impondo certa insegurança, colocava em rápida proximidade a pequena aeronave bimotor e a curta faixa de terra batida.
Descendo da aeronave, o jeito de chegar ao centro urbano da cidade também fugiu do convencional meio de transporte paulistano: carona com o pai de uma das passageiras. Nos primeiros instantes da viagem, a surpresa. Tratava-se do ex-prefeito de Juruti, que sem hesitação traçou toda sua crítica às controvérsias políticas da ultima eleição em que foi candidato. Há pouco da minha chegada no projeto dos “Indicadores de Juruti”, adentrando o município, já de cara com controversas oposições sociopolíticas.
A cidade, em um primeiro olhar, gritava a ausência de infraestrutura. Quase não se viam pessoas na rua. Era uma criança ou outra empinando pipa ou brincando com gravetos em frente de suas casas até a chegada na casa em que a equipe do GVces se hospeda. Portões escancarados, janelas e portas abertas sinalizavam o mais verdadeiro “de portas abertas” à comunidade que pude imaginar.
A primeira viagem, curta, de 5 dias, fez com que Juruti parecesse enorme, ainda me pairava dúvidas do caminho a pé pra casa. Pareceu-me apenas que faltava o Estado, em tão pouco tempo, não foi possível respirar os ares jurutienses com a supressão de pressupostos que a cidade merece ao me receber com tamanha hospitalidade. Foi preciso aguardar até um segundo campo, mais extenso, de 12 dias, para deixar de ver exclusivamente os incipientes serviços públicos se estruturando, e passar a enxergar todo um processo de desenvolvimento, dirigido por atores sociais dispostos a contribuir para construção coletiva de seu município. E o reflexo disso era nítido na receptividade e na confiança que cada jurutiense demonstrava pelo colorido livro dos Indicadores, fruto do trabalho de uma equipe que, em partes, não mais trabalha neste projeto. Mas que, para cada jurutiense, encontra-se refletida nas cores do livro, nas discussões encaloradas, em cada métrica construída. Os nomes de cada um que por lá esteve continuam a ser mencionados com um sentimento de sinceras saudades.
E à equipe nova, fica um novo campo em uma mesma Juruti: sua população, seu comércio, suas instituições públicas já reconhecem a importância dos indicadores no retrato e avaliação do desenvolvimento de sua cidade. Resta a nós, verdadeiramente colaborar para que essa ferramenta pública não retrate Juruti apenas da chegada de um grande empreendimento, como uma mina de exploração mineral. Mas que acompanhe o que Juruti já foi e o que virá a ser, e torne público seu desenvolvimento. Que contribua para a construção de uma transparência necessária a fim de que a comunidade se reconheça e guie, conscientemente, suas próprias decisões.
Cinthia Dall’Aagnol
Programa Desenvolvimento Local