(Uma nova ideia por mês)
Na Índia, uma caminhada de 25 mil quilômetros possibilitou registrar 3 mil visões de futuro. Agora, empresas querem transformá-las em oportunidades de negócios
Não fosse o esporte feminino tão estigmatizado, talvez a treinadora Usha pudesse expandir a sua academia de luta para mulheres e um dia até enviar uma atleta às Olimpíadas, sua maior ambição. Tazhuddin, o vendedor de tambores que já sonhou ser piloto, talvez só precise de microcrédito para contratar os quatro ou cinco funcionários que lhe permitiriam trabalhar sentado em um colchão. E quiçá uma capacitação e alguns contatos na indústria do turismo bastassem para que a relações-públicas Somita se tornasse cartomante e curandeira profissional.
As conjecturas são nossas, porque é difícil resistir à provocação de imaginar caminhos possíveis para esses projetos. Mas as três aspirações vêm da Índia, parte de uma fieira de 3 mil sonhos capturados em apenas uma semana (veja vídeo com esse e outros relatos).
O projeto Dream:In, idealizado pela consultoria em design thinking Idiom, já começou pisando em nuvens. Em janeiro, 101 estudantes universitários foram capacitados e então despachados para uma jornada de 25 mil quilômetros pela Índia urbana e rural, com a missão de registrar em vídeo os desejos das pessoas para si mesmas e para o país.
O próximo passo é interpretar e sistematizar essas visões para transformá-las em oportunidades de negócios e empreendedorismo social. Para isso, os idealizadores realizaram um conclave cujo ponto de difusão foi a rede internacional Nodes, que reúne empresários, ativistas, acadêmicos e instituições envolvidas com design e inovação. Nas palavras de José Carlos Teixeira, cofundador da Idiom: “É a globalização ao avesso: trazer talentos globais para fomentar oportunidades locais”.
O design thinking, especialidade do Dream:in, é um conceito que nasceu no Ocidente. Diz respeito ao design que vai além do mundo dos produtos, aplicável também a processos e formas de organização e interação. Os subprodutos dessa ideia, no entanto, foram bastante influenciados pelo Oriente, especialmente pela Índia.
Foi o indiano Vijay Govindarajan, professor da prestigiada Tuck School of Business, quem cunhou o termo “inovação reversa”. Trata-se de soluções que emergem dos países pobres ou em desenvolvimento, justamente onde as dificuldades cotidianas estimulam a criatividade, para depois integrarem as carteiras de negócios de grandes empresas.
Nesses casos, o caminho não é relançar produtos consagrados com novos adereços, mas despi-los até encontrar características essenciais adaptadas às necessidades locais. São exemplos o carrinho Nano, da montadora indiana Tata – mais tarde metabolizado pela Mercedes –, e também aparelhos médicos de baixíssimo custo produzidos pela General Electric para os mercados emergentes.
O Dream:In pode ser o embrião de um novo salto de paradigma nessa trajetória. “Por que deveríamos apenas resolver problemas básicos das pessoas? Será que não podemos inovar para realizar também suas aspirações mais altas?”, questiona Sonia Manchanda, da Idiom, no blog do projeto. A elevação das ambições, de necessidades para sonhos, é o diferencial e o maior desafio do Dream:In.
Os novos negócios propiciados pela inovação reversa já conquistaram a atenção definitiva de grandes corporações, como Nike e Nokia, mas está longe de ser um jogo de gigantes. A Idiom está em negociação com o empresariado local para viabilizar um fundo, chamado Dream:Fund, que financiará, de início, 50 sonhos com potencial de mercado. O valor exato desse primeiro aporte ainda não foi acertado.
Um dos entusiasmados é Kishore Biyani, CEO da empresa Future Group: “Somos uma nação que não acredita tanto em si mesmo como deveria, mesmo com a nossa rica história e conhecimento. Se vamos prosperar e crescer, precisamos planejar cenários não apenas com índices econômicos, mas também com medidas de felicidade, cultura e valores. Esta, sim, é uma abordagem de longo prazo para o futuro da Índia”.