Nem só engenharia genética nem só agricultura ecológica. Para a geneticista Pam Ronald, a combinação das duas pode produzir mais alimentos e ajudar na adaptação às mudanças do clima
Estamos a alguns meses de atingir uma população global de 7 bilhões de pessoas e devemos somar 9 bilhões em 2045. Para o futuro mais distante, é difícil prever: podemos chegar em 2300 com 2,3 bilhões de pessoas, com 36,4 bilhões ou manter o patamar de 9 bilhões (mais sobre as projeções da ONU aqui). Alguns fatores cruciais a determinar o tamanho da população daqui a dois séculos são a capacidade de produzir comida para tanta gente e de evitar graves danos aos ecossistemas e recursos naturais.
No atual estado de coisas, há pressão por terra arável e especula-se sobre o colapso de um sistema baseado na monocultura e no uso de fertilizantes e pesticidas. Para muitos, a resposta é optar pela agricultura orgânica, técnicas ecológicas e produção localizada. Para outros, tal solução aumenta a demanda por terra e a pressão sobre os ecossistemas. No meio, há a controvérsia sobre o papel da engenharia genética: para um lado, ela carrega riscos para o meio ambiente e a saúde humana; para outro, é a promessa de que poderemos produzir mais sem destruir tanto.
Pam Ronald, geneticista e pesquisadora da Universidade da Califórnia, em Davis, está no meio do caminho. Ela acredita que há de se combinar engenharia genética e práticas agrícolas ecológicas. “Precisamos trabalhar com os objetivos e as melhores maneiras de atingi-los”, disse Pam à Página22. “Às vezes uma prática agrícola pode mudar para controlar uma doença, ou talvez se possa usar uma nova semente, ou talvez precisemos das duas abordagens.” As opiniões de Pam soam como senso comum, afinal, quem não gostaria de encontrar a medida exata e garantir a produção de alimentos de forma segura e saudável? Mas a controvérsia continua.
Casamento eclético
Pam é casada com o fazendeiro orgânico Raoul Adamchak, e ambos escreveram o livro Tomorrow’s Table: Organic Farming, Genetics and the Future of Food (Oxford University Press, 2008). “Acreditamos que a saúde do meio ambiente e do consumidor é que é importante”, diz ela. “A forma como a semente é gerada é menos importante. Se uma semente transgênica é a tecnologia mais apropriada para combater uma doença, devemos usá-la. Se podemos quadruplicar a produtividade de arroz ao adicionar um gene que torna a planta tolerante a enchentes, sou totalmente a favor.”
Não é para menos: Pam participou do grupo que desenvolveu tal variedade de arroz, que tolera até 17 dias debaixo d’água sem prejudicar a produtividade. Batizada de Sub-1, está em uso na Índia, Bangladesh e Filipinas. A esperança é que sementes como a Sub-1 funcionem como “seguro” para agricultores em várias partes do mundo, diante dos efeitos das mudanças climáticas. E que, junto com elas, práticas ecológicas assegurem uma agricultura saudável.
Mas nem todos compartilham da crença de que a forma como se obtém a semente é menos importante. A oposição à engenharia genética é intensa, em especial nas fileiras do movimento orgânico. Os padrões de certificação orgânica permitem o uso de sementes obtidas com melhoramento genético – baseado na seleção de características desejáveis –, mas não o de sementes decorrentes de engenharia genética, ou transgênicas.
Em geral associa-se o melhoramento genético à prática de polinizar uma planta com o pólen de outra planta, coletar as sementes e cultivá-las. A engenharia genética, por sua vez, seleciona apenas um gene de qualquer espécie – animal ou vegetal – e o introduz no genoma da espécie a ser alterada. “Introduz um gene por vez, enquanto outras técnicas introduzem várias mudanças”, diz Pam, que considera a engenharia genética mais “precisa” do que o melhoramento convencional.
No caso do arroz Sub-1, mesmo com a introdução do gene tolerante à submersão, mantiveram-se as demais qualidades da variedade original. É justamente essa capacidade de “corta-e-cola” que assusta. Pam garante, entretanto, que há consenso entre os cientistas sobre a segurança das safras transgênicas comercializadas atualmente [1]. O fato de que tal consenso não parece chegar ao público, afirma, só mostra o quão ocupados são os cientistas.
[1] Segundo Pam Ronald, o relatório da National Academy of Sciences dos EUA reflete o consenso.
Ocupados, deixam o cidadão no fogo cruzado. A engenharia genética pode guardar a promessa de alimentar a população crescente e ajudar na adaptação às mudanças climáticas, mas é dominada por grandes corporações em busca de lucro. O Greenpeace destaca que em 25 anos a engenharia genética produziu apenas dois tipos de plantas: as tolerantes a herbicidas e as resistentes a pestes. Pam rebate, dizendo que foi possível reduzir drasticamente o uso de substâncias tóxicas nas lavouras de algodão e evitar a perda de plantações de mamão pelo vírus da mancha anelar no Havaí.
E, acrescenta ela, até 2015, mais de metade das sementes transgênicas serão produzidas por institutos nacionais de pesquisa, como a brasileira Embrapa. “As grandes corporações americanas provavelmente terão um papel menor no futuro.” Se esse futuro se concretizar, talvez biotecnologia e agricultura orgânica possam se encontrar no meio do caminho.
*Jornalista e fundadora de Página22.