Em um livro singular, a visão livre de eminentes cientistas franceses sobre a mudança climática
Este é o título de um livro fora do comum que procura dar uma resposta à questão fundamental: “Qual a influência humana sobre o aquecimento climático?” [1] Os seus 26 autores são eminentes cientistas franceses, na sua maioria membros do Clube dos Argonautas. Todos aposentados, atuam com a máxima liberdade de pensamento.
[1] Climat – une planète et des hommes, quelle influence humaine sur le changement climatique?, obra coletiva, coordenada sob a direção de Aline Chabreuil e Michel Petit, com apresentação de Erik Orsenna e Michel Petit, Paris: Le Cherche Midi, 2011.
O primeiro capítulo do livro resume as mudanças climáticas do passado e suas consequências para o desenvolvimento da vida no nosso planeta. O segundo descreve as características essenciais dos sistemas climáticos, enquanto o terceiro apresenta os argumentos que permitem pensar na possibilidade de uma mudança climática mundial provocada por atividades humanas. A partir daí, são avaliados os riscos das mudanças climáticas suscetíveis de ocorrer no século atual, as suas consequências e as medidas que podem (e devem) ser tomadas para minorar seu impacto. O último capítulo procura entender o porquê e as razões subjetivas da paixão que se exprime nos debates sobre o clima.
O livro traz uma mensagem de solidariedade ao Grupo dos Peritos Intergovernamentais sobre a Evolução do Clima, conhecido pela sigla Giec, recente alvo de fortes ataques por parte de certos cientistas e da mídia. Segundo os autores, a ofensiva contra o Giec lembra o costume antigo que consistia em exterminar o mensageiro portador de notícias ruins. A conclusão é inequívoca: “Se o Giec não existisse… seria necessário inventá-lo” (pág. 304).
Dois antigos primeiros-ministros franceses, Michel Rocard e Alain Juppé – este último recém-nomeado ministro das Relações Exteriores –, concederam aos organizadores do volume entrevistas convergentes, em que pesem as diferenças políticas que os separam. Ao tomarmos consciência da ameaça climática, devemos privilegiar políticas favoráveis a uma mudança da sociedade, aprendendo a viver de outra maneira: diminuir o consumo da energia e, ao mesmo tempo, incentivar as fontes renováveis.
O livro não procura esconder as graves ameaças potenciais, resultantes das mudanças climáticas, porém diverge radicalmente do pensamento dos catastrofistas. A sua mensagem central é: “Geonautas, estamos descobrindo que embarcamos numa nave que devemos aprender a pilotar para garantir a sua habitabilidade para a espécie humana” (pág. 285).
Na impossibilidade de resumir em poucas linhas a rica matéria do livro, que merece uma tradução rápida para o benefício dos leitores brasileiros, no que segue vou me limitar a comentar a reflexão filosófica de Bruno Voituriez, oceanógrafo e presidente do Clube dos Argonautas, que reata com o conceito de evolução criadora de Henri Bergson (págs. 282 a 286).
O homem, ator não exclusivo da evolução da Terra, deve assumir as suas responsabilidades. A Terra não é uma deusa. Tampouco se deve sacralizar ou demonizar os homens, a exemplo de alguns adeptos da ecologia profunda.
Cabe aos homens tomar humildemente o seu futuro em mãos com os meios intelectuais e técnicos de que dispõem, valendo-se ainda dos recursos variados que a natureza lhes oferece. Sabemos que estes são limitados, mas isso não deve impedir a sua utilização. É normal que defendamos com prioridade a nossa existência e as nossas condições de vida. Porém, sabemos ainda que o determinismo absoluto não existe e todas as nossas previsões comportam uma margem de incerteza. Não podemos ter a garantia absoluta de que saberemos manter na Terra um hábitat decente para os quase 7 bilhões que já somos e para os nossos sucessores que serão mais numerosos.
Para reduzir as imprecisões, o primeiro dever dos “geonautas” é conhecer e compreender melhor o funcionamento da nave espacial Terra, para tentar prever a evolução do sistema e, assim, reduzir tais incertezas que pesam sobre o nosso destino. “O saber é o futuro do homem” (pág. 285). Uma “geoscopia” permanente é o instrumento indispensável aos geonautas responsáveis e o alicerce sobre o qual os homens poderão desenvolver as tecnologias necessárias para administrar melhor a habitabilidade de sua casa. Sem perder de vista que a população continua a aumentar, a Terra, indiferente, mantém-se nos seus limites, as mudanças climáticas estão ocorrendo e os ajustes e as adaptações não se farão sem sobressaltos. “Assim caminha o Universo e a vida que dele resulta… Homem, ajuda-te, porque o céu não te ajudará!” (pág. 286).
A condição para tanto é que se instaure uma cooperação internacional livre de ideologias, nacionalismos e interesses particulares. Esperemos que a segunda Cúpula da Terra que se reunirá no Rio de Janeiro em 2012 constitua um passo nesta direção.
*Ecossocioeconomista da École des Hautes Études en Sciences Sociales.