Pois ontem foi um dia tão duro para as florestas brasileiras que estou até agora com o estômago embrulhado. Em plena quarta-feira, a sensação é de ressaca. E hoje ainda fiquei sabendo que a iniciativa de José Sarney Filho de mencionar o assassinato do líder extrativista José Claudio Ribeiro durante a seção na Câmara motivou uma vaia ruralista. Cinismo e desfaçatez que não têm limites.
Tinha esperança de escrever “o não-post sobre o Código Florestal” essa semana. Achava que já tinha esgotado tudo que eu tinha para dizer sobre esse assunto e que os leitores já deveriam estar enfadados. Mas a barbaridade de ontem não me deixa saída.
É legítimo que se aponte o dedo para o ruralismo, cujos representantes não tem outra agenda senão seus próprios interesses. Mas esta não é apenas uma vitória do pensamento retrógrado que vem do campo. Este é um fracasso do governo, do Ministério do Meio Ambiente, do Itamaraty, da Frente Parlamentar Ambientalista (a maior da Câmara, sabia?), da comunidade científica e das ONGs. Todos que estavam do outro lado deveriam usar esse momento para refletir sobre seus próprios erros.
Trabalho na cobertura do Código Florestal desde 2007. Em todos esses anos, encontrei cientistas, ativistas e políticos esclarecidos para quem era necessário, acima de tudo, apresentar uma proposta alternativa conciliadora e moderna, focada no imenso potencial competitivo de uma agropecuária sustentável. Mas a voz da inovação não ganhou massa crítica quando deveria.
Movimentos socioambientais estiveram, esse tempo todo, muito mais preocupados em evitar os piores desmandos que em assumir um papel propositivo. Tinha razão Aldo Rebelo quando os acusava de reclamar muito e contribuir pouco. Em janeiro, em contato com representantes das maiores ONGs em atividade no país, descobri que tinham finalmente percebido que a atitude apenas defensiva não resolve. Foi tarde demais.
O governo, com melindres de perturbar a sua inabalável base aliada, foi empurrando com a barriga. Perdeu, pela primeira vez nesta gestão, com o PT rachado ao meio. O MMA só entrou de fato no jogo propositivo no começo deste ano. A comunidade científica observou calada a desqualificação de leigos sobre os critérios técnicos da legislação. O documento O Código Florestal e a Ciência, lançado em abril, foi a última cobrança de falta nos acréscimos de um jogo perdido. E por acaso algum dos parlamentares ambientalistas aventou a possibilidade de formular um projeto de lei com as verdadeiras soluções?
Como jornalista, conheço diversas maneiras de apaziguar os interesses de produtores rurais e ambientalistas, porque elas sempre estiveram aí, disponíveis para quem as quisesse conhecer e fazer com que ganhassem escala. Ficava danada da vida quando o lado verde alegava que não se podia passar o projeto sem debate. Houve debate, sim. Aliás, um debate exaustivo, enjoado, esgotante. O que não houve é o debate produtivo.
Para terminar, quero citar aqui a minha amiga americana, Jenny Miller, loira de olhos azuis e apaixonada pelo Brasil. Sua interpretação, depois de três anos vivendo aqui, é que nós já fomos tão aviltados e decepcionados no passado que ninguém mais se atreve a acreditar num país decente. A gente vai levando. O que falta ao brasileiro, diz a Jenny, é a ousadia de pensar grande. O dia de ontem em Brasília escancarou exatamente isso.
Esse texto foi publicado originalmente em Eco Balaio, blog pessoal da subeditora Carolina Derivi, no site Planeta Sustentável.
Se você quer saber quais mecanismos modernos e conciliadores forma deixados de lado na discussão sobre Código Florestal, leia as reportagens “Encontros insuspeitados” e “Não tem pendura“, respectivamente das edições 27 e 44 de Página22.