Entre churrascos e polêmicas da expansão metroviária, o fetiche pelo transporte subterrâneo pode obscurecer a diversidade de soluções que o desafio da mobilidade exige
Está nas rodas de conversa, nos debates da imprensa, nas salas de aula. Levante o tema da infernal mobilidade em São Paulo e é quase certo que alguém dirá que a solução é o metrô ou que o problema é a falta dele.
Diante da imobilidade da superfície, o transporte metroviário quase pontual, quase eficiente, quase sempre em movimento, embora não esteja livre do seu próprio caos, talvez se pareça com a antítese de tudo que está errado nos sistemas da cidade.
Mas essa premissa pouco questionada traz a reboque duas conclusões duvidosas: a de que o problema do trânsito pode ser revolvido com uma só cartada; e a de que se o transporte público tivesse qualidade, todos automaticamente deixariam seus carros na garagem, satisfeitíssimos.
O que essa fixação esconde é que nas grandes cidades do mundo, mesmo naquelas em que a malha metroviária é bastante satisfatória, o ônibus é invariavelmente o modo de transporte público mais usado. “Londres tem 1500 quilômetros de sistema metroviário e mesmo assim tem o dobro de passageiros no ônibus. A Cidade do México tem cerca de 300 quilômetros de metrô e, mesmo assim, tem 70% dos passageiros no ônibus. São Paulo tem 280 quilômetros entre trem e metrô e, mesmo assim, tem 75% dos clientes do transporte público no ônibus”, afirma Adalberto Maluf, diretor da Fundação Clinton em São Paulo, que se tornou um especialista em transporte graças ao interesse da organização que dirige pelo tema das mudanças climáticas.
O motivo é que o ônibus, menos cultuado como solução de mobilidade, tem uma flexibilidade que o metrô jamais terá. É possível distribuir pontos por toda a cidade. É barato, a intervenção é bem menos severa. Mas uma cidade em que todo cidadão terá uma estação de metrô na porta de casa não existe. Por R$ 30 milhões o trem (mesmo preço de 60 ônibus articulados), e cerca de R$ 100 milhões, em média, o quilômetro de malha metroviária, simplesmente não dá pra fazer.
Maluf participou do Grupo de Trabalho de Transporte do Comitê de Mudanças Climáticas da Prefeitura de São Paulo e não esconde a frustração de passar essa mensagem pelo crivo dos gestores públicos: “os caras só pensam em metrô”.
Não se trata, obviamente, de recusar a expansão metroviária, mas de levantar a bandeira da multimodalidade e sobretudo de olhar para as melhores soluções de curto e médio prazos. Segundo Ciro Biderman, professor de pós-graduação em Governo e Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas, um governante que desejasse imprimir melhora perceptível na mobilidade paulistana em apenas quatro anos deveria se preocupar mais com os corredores de ônibus.
“Há muitas soluções importantes, São Paulo deve ter metrô, mas como a gente não fez o quando deveria ter feito, o custo hoje é elevado demais. A melhor opção de médio prazo seria um sistema de ônibus rápido, como o de Curitiba e Bogotá”. Isso corrigiria duas falhas importantes dos corredores atuais: a carência de pontos de ultrapassagem, que faz com que os ônibus percam tempo disputando espaço com os carros e entre si, e a falta de entradas em nível iguais às do metrô, que otimizam o tempo do embarque.
Pode parecer apenas um detalhe, mas se cada passageiro demora cinco segundos para subir os degraus do ônibus, em cada parada perdem-se de 30 a 40 segundos, na melhor das hipóteses. “Se essas mudanças fossem aplicadas, combinadas à segregação total, o sistema poderia operar a 25 quilômetros por hora em média. Hoje, no horário de pico, gira em torno de dez quilômetros por hora”, estima Biderman.
Que caia do céu
Então está combinado: no dia em que São Paulo tiver oferta e conforto no transporte público, você deixa de usar o carro? Novamente, é recomendável observar a trajetória de outras grandes cidades do mundo. A lista é extensa: Londres, Paris, Barcelona, Nova York, Seul, Bogotá… Nenhuma dessas cidades conseguiu aliviar os congestionamentos sem restringir o uso do carro ou encarecer o uso.
Freud explica. Neste caso, não nos referimos à psicanálise, mas à psicologia econômica, ou economia behaviorista, da qual já tratamos aqui e aqui. Esse campo de conhecimento vem comprovando algo de que você já desconfiava faz tempo: as pessoas não são tão racionais assim. É possível ter todos os elementos para uma tomada de decisão ponderada e mesmo assim seguir na direção contrária. Velhos hábitos são difíceis de mudar e a inércia é frequentemente mais confortável que a mudança.
O remédio está no que os psicólogos chamam de paternalismo light. Um empurrãozinho para a escolha certa. No caso da mobilidade, isso inclui pedágio urbano, estacionamentos mais caros, menos vias e a vagas disponíveis para carros.
O desejável, coletivamente, é que uma ambulância ou um carro de bombeiros consiga trafegar na velocidade necessária às seis da tarde porque as pessoas que precisavam se deslocar para o centro escolheram outras combinações de transporte. Certo como dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço, a cidade não consegue comportar os desejos automotivos individuais de 10 milhões de habitantes.
Ok, demos uma tremenda volta do metrô até o carro. Mas essas duas questões são bons exemplos de acordos tácitos que vão se formando em torno de análises pouco elaboradas. Para a mobilidade, e para os grandes desafios da vida urbana, não há super-heróis. Só o debate salva.