Engana-se quem pensa que reality TV limita-se a Big Brother e às agruras de um grupo convivendo em uma casa sob a vigilância das câmeras. A TV pública australiana transmitiu essa semana o primeiro reality show sobre o drama de algumas das 43,7 milhões de pessoas deslocadas ao redor do mundo. Intitulado Go Back To Where You Came From, o programa foi ao ar em três capítulos mostrando a experiência de seis australianos comuns ao fazer em reverso a viagem que muitos refugiados encaram para chegar a Austrália.
Primeiro, os australianos conheceram refugiados já aceitos e integrados à vida local. Depois viram por dentro uma prisão onde os refugiados aguardam que seus pedidos de asilo sejam julgados – o processo pode durar anos e recentemente houve suicídios e protestos nesses centros de detenção. Fizeram uma viagem de barco em condições semelhantes a muitos que chegam na costa australiana, visitaram minorias refugiadas na Malásia à espera de oportunidade para embarcar, e testemunharam autoridades indonésias reprimindo um grupo de pessoas “ilegais”. Finalmente, estiveram em países de onde saem muitos dos refugiados: Iraque e Congo. Foram 25 dias rodando pelo mundo sem dinheiro, documentos, celular ou um lugar para chamar de casa – totalmente fora da zona de conforto.
O programa mostrou não só a vida como ela é para os refugiados, mas também os australianos como eles são e o preconceito contra os que vêm em busca de ajuda e não como trabalhadores altamente qualificados. Uma das seis participantes causou sensação e uma onda de comentários no Twitter ao afirmar, logo no começo do programa, ser racista e não gostar de africanos. No decorrer dos episódios, a moça só fez reclamar e dizer que, como australiana, não teria que viver experiências humilhantes como dividir um banheiro com 50 pessoas ou dormir no chão. No final, entretanto, mudou de opinião e afirmou ser impossível “dizer não” aos que pedem asilo.
Outros dos participantes também mostraram empatia com a sina dos refugiados e mudaram de opinião, dizendo que a Austrália poderia conceder asilo a mais pessoas. Segundo o Departamento de Imigração e Cidadania, a Austrália emitiu 13.770 vistos para refugiados em 2009-10. O Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (UNHCR) calcula que haja 850 mil pessoas em busca de asilo no mundo.
Pessoas deslocadas são aquelas forçadas a deixar seu país de origem por guerra, violência ou perseguição e, ao entrar em outro país, passam a ser consideradas refugiados. O conceito foi criado após a Segunda Guerra Mundial quando mais de 40 milhões de pessoas tentavam deixar a Europa. Segundo o UNHCR, há uma percepção errada sobre os movimentos de refugiados atualmente e os temores sobre enxurradas de refugiados nos países industrializados são exagerados e confundidos com problemas de migração.
No meio tempo, segundo a ONU, são os países mais pobres que recebem o grosso das pessoas deslocadas. Paquistão, Irã e Síria têm as maiores populações de refugiados do mundo (1,9 milhão, 1,1 milhão e 1 milhão respectivamente). O Paquistão tem 710 refugiados por dólar de seu PIB per capita, enquanto na Alemanha(que abriga uma população de 594 mil refugiados) tal proporção é de 17 refugiados por dólar de PIB per capita. No Brasil hoje há pouco mais de 4 mil refugiados.
O reality show acirrou o debate na Austrália sobre a questão dos refugiados no momento em que o governo tenta mandar um recado aos responsáveis pelo tráfego de pessoas. Para desencorajá-los, o governo australiano quer arregimentar a ajuda da Malásia para estabelecer centros de detenção naquele país que receberiam os refugiados tentando entrar na Austrália. A Malásia, porém, é conhecida pelos maus tratos a refugiados.
Na internet, os comentários sobre o programa variaram de elogios por mostrar aos australianos a realidade da saga dos refugiados a críticas de que a emissora foi parcial e favorável aos refugiados. Houve quem destacasse que tratou-se de “ensinar o padre nosso ao vigário”, uma vez que o programa foi ao ar pelo Sistema Especial de Broadcast, canal público criado para oferecer programação em várias línguas para uma audiência multicultural. Seja como for, Go Back to Where You Come From é um refresco – e uma boa dose de realidade – para o gênero de reality TV.