As plataformas de crowdsourcing espalham-se pelo Brasil, viabilizando tanto inovações empresariais como projetos independentes. A falta de regulamentação, no entanto, pode criar empecilhos
A comunidade de Anã fica na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, às margens do Rio Arapiuns, em Santarém, no Pará. Um lugar aonde só se chega de barco. Ali, onde o peixe é a base da dieta dos ribeirinhos, a organização Mulheres Sonhadoras em Ação implantou uma fazenda de criação de peixes alimentados com ração orgânica. O grande problema enfrentado por elas, porém, é encontrar a fórmula correta para a ração e meios para produzi-la localmente.
Na busca de uma solução, o Instituto Vivo, que já tem projetos na área, lançou junto com a plataforma Ideias.me um desafio para que colaboradores ajudem a resolver o problema. As cinco melhores soluções receberão R$ 5 mil cada uma. Este é um exemplo de crowdsourcing. Numa tradução livre, pode ser entendido como a força de pessoas atuando juntas com um objetivo comum.
“Nós sempre investimos em inovação aberta. Acreditamos que precisamos abrir nossas mentes para novas ideias. E, com o surgimento de plataformas crowdsourcing no Brasil, decidimos apostar nesse novo conceito”, diz Luis Fernando Guggenberger, gerente de desenvolvimento cultural e sustentabilidade do Instituto Vivo.
A Vivo surfa nesta onda, que foi batizada por Jeff Howe, autor do livro Crowdsourcing: O poder da multidão, ex-editor contribuinte da revista Wired e atual integrante da equipe editorial do site americano Crowdsourcing.org, uma referência no setor.
O objetivo comum que agrega as pessoas tanto pode ser encontrar um jeito de produzir ração orgânica para uma fazenda de peixes na Amazônia como reorganizar completamente a vida institucional de um país – caminho seguido pela Islândia, que está chamando todos seus habitantes a produzir em conjunto sua nova Constituição.
Ambas as acões apostam no saber em rede. “Noventa por cento do que é produzido é lixo . Mas há realmente grandes ideias entre os 10% restantes” [1], afirma Rafael Zatti, diretor-geral do Ideias.me, a primeira plataforma de crowdsourcing brasileira. “O nosso desafio é trazer esses 10% para dentro das empresas e projetos”, diz.
[1] Theodore Sturgeon é conhecido por ser o autor da Lei de Sturgeon, segundo a qual “90% de qualquer coisa é lixo”
Mas, ainda assim, coletar e trazer boas ideias não basta para colocar em prática ações inovadoras. É preciso que a cultura do novo esteja incorporada à empresa, explica Romeo Busarello, diretor de internet e inovação da Tecnisa, uma das empresas pioneiras no uso da inovação aberta e do crowdsourcing em suas estratégias. “É necessário conhecer o DNA da empresa para entender que tipo de ideia pode ser aproveitado”, afirma.
Na opinião de Marina Miranda, sócia brasileira da Mutopo, companhia americana que trabalha no modelo colaborativo, existe uma relação simbiótica entre quem produz as ideias e a empresa que as implementa.
“Não estamos falando apenas de engajamento. Estamos falando de compartilhar valores”, diz. Para Zatti, quando consumidores trabalham juntos para desenvolver um novo produto, eles efetivamente se tornam parte do processo.
A atividade, porém, ainda não está regulamentada no Brasil. E, sem uma lei específica para o setor, o crowdsourcing fica sujeito a diversas interpretações. A Caixa Econômica Federal, por exemplo, tende a classificar a atividade como um concurso com prêmios, o que aumentaria muito a incidência de impostos, inviabilizando, na prática, o pagamento de recompensas.
“Essa é uma inovação de 100%. Nós estamos buscando a interpretação correta, mas não encontramos ainda”, afirma Flávia Regina de Souza Oliveira, sócia do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. E Quiroga Advogados.
Seja no envolvimento de pessoas nas empresas, seja em projetos culturais e criativos, o crowdsourcing e suas múltiplas variantes está-se tornando parte da cena brasileira. Segundo dados da Ideias.me, já são 33 plataformas independentes atuando no Brasil, fora iniciativas empresariais como as da Vivo e da Tecnisa, entre outras. “O Brasil está diferente, com ideias borbulhando país afora. E, agora, temos as ferramentas para encontrar essas pessoas”, diz, otimista, Busarello.