Os senadores serão salva-vidas se usarem sua legítima atribuição revisora para corrigir a miopia dos 410 votos conquistados na Câmara por bandeirantes que se acham “modernex”
Foi imenso o desprezo com que o grosso da Câmara reagiu à histórica manifestação conjunta da Academia Brasileira de Ciências (ABC) com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) sobre as alterações do Código Florestal.
Os 410 deputados federais que aprovaram o substitutivo ao PL nº 1.879/99 têm certeza de que a larga maioria de seus cabos eleitorais – decisiva para sua eventual reeleição – não tem a mínima simpatia pela postura ambientalista, nesse caso bem respaldada pelos cientistas.
Boas pesquisas de opinião, como as do Datafolha, indicam que a maior parte da população desaprova estímulos a mais desmatamentos. Todavia, prefeitos, vereadores, presidentes de cooperativas, dirigentes de sindicatos, radialistas e muitas outras variedades de cabos eleitorais tendem a ser visceralmente contrários às ideias ambientalistas. Para eles, não faz nenhum sentido que sistemas naturais sejam defendidos das agressões de uma dinâmica econômica cuja inevitável racionalidade perceptível é tão somente de curto prazo.
O mais trágico, portanto, é o duplo equívoco que dá base a tão poderosa propensão política. Por um lado, porque a consciência do aquecimento global fez com que os ambientalistas se tornassem muito mais defensores da humanidade do que do restante da natureza.
Por outro, porque a racionalidade econômica que mais importa – a de longo prazo – é que será respeitada se forem acatadas as ponderações feitas em conjunto pela ABC e SBPC. Regras e critérios de conservação que horripilam ruralistas já estão engendrando um dos mais importantes trunfos da competitividade global. Foi um tiro no pé o amplo apoio dos produtores agropecuários e de seus parasitas dos agronegócios ao desastroso substitutivo.
Por isso, os senadores serão salvavidas se usarem sua legítima atribuição revisora para corrigir a miopia dos 410 votos conquistados na Câmara por bandeirantes que se acham “modernex”, porque podem vender barato aos chineses quase todos os frutos da sobre-exploração de boias-frias e dos biomas brasileiros. O Senado precisa ouvir a ciência para garantir melhores futuros, tanto para a sociedade brasileira quanto para a humanidade.
Todavia, não há razão para otimismo quando se pensa na relação entre ciência e política, como demonstram até as mais avançadas democracias. Com a engenharia genética, por exemplo, há experiências radicalmente opostas entre as atitudes que orientaram os Estados Unidos e a Europa sobre a adoção das sementes transgênicas.
Se a União Europeia manteve por tanto tempo severas restrições ao cultivo dos OGM, é porque as maiorias que elegeram seus 27 governos manifestaram preferência pela linha de maior precaução, em vez de acatar o ponto de vista contrário, por mais que ele fosse predominante na comunidade científica.
A dificuldade social de atribuir a devida importância ao conhecimento científico também é evidente na controvérsia sobre o uso da energia nuclear para a geração de eletricidade.
Ótimo exemplo está em recente mensagem eletrônica, amplamente reproduzida em redes socioambientais, segundo a qual uma maioria de experts em sustentabilidade considera desnecessária a energia nuclear na transição à sociedade de baixo carbono. Um belo gráfico realça que 54% fazem essa aposta, ante 33% que entendem o nuclear como “componente essencial”, e 13% de abstenções. São os resultados de um survey global sobre o futuro energético feito pela GlobeScan Incorporated.
Há algo muito estranho nessa história: em resposta à pergunta sobre o uso do carvão, metade dos mesmos experts (52%) rejeitou a proposta de abandono gradual (phase out) da pior forma de geração de energia elétrica.
Examinando-se o método empregado, percebe-se que não houve sondagem baseada em amostra sorteada. Ao contrário: as porcentagens se referem a reles 551 respostas a um questionário disponibilizado on-line, provenientes de 67 países. Entre os que reagiram, 42% estão envolvidos há menos de dez anos com questões relativas à sustentabilidade. Pior: pertencem, em proporções desconhecidas, a cinco diferentes mundos institucionais: o empresarial, o governamental, o das ONGs, o acadêmico/pesquisa, e dos prestadores de serviços, com destaque para a consultoria.
De todas as dúvidas que provoca esse survey, a mais importante tem tudo a ver com o tema desta coluna: será que poderiam ter pesos semelhantes os posicionamentos de pesquisadores científicos e as opiniões do restante dos mortais, por mais que se considerem entendidos em sustentabilidade?
*Professor da pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP e do mestrado profissional em sustentabilidade do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ). Www.zeeli.pro.br.