Existe uma lenda urbana – certamente inventada por alguém não muito chegado a rastafaris – de que várias espécies novas de piolhos foram encontadas no cabelo de Bob Marley, quando o rei do reggae morreu.
O causo é pura maledicência – mas histórias similares, de espécies novas descobertas em ambientes humanos e urbanos, adaptadas a arranha-céus ou cédulas de dinheiro, começam a se tornar cada vez mais comuns.
O diário The New York Times publicou dias atrás um texto que narras as expedições do biólogo Jason Munshi-South, professor assistente do Baruch College, da City University of New York. Ele percorre ruas e parques da cidade com seus alunos, procurando espécies e sub-espécies endógenas, únicas daqueles ambientes. Munido de arapucas, balanças, réguas e sacos plásticos fechados a vácuo, ele coleta amostras genéticas que ilustrem o processo de adaptação de plantas e animais à ilha de cimento em que vivem.
Munshi-South especializou-se em camundongos de pés brancos, uma espécie encontrada em toda a América do Norte. Eles são capturados, medidos e pesados em diferentes pontos da metrópole. Amostras genéticas são coletadas. Os cientistas notaram que a diversidade dos roedores varia muitíssimo nas diferentes partes de Nova York. “A diversidade encontrada entre diferentes populações de camundongos na cidade é comparável à de todo o Sudeste dos Estados Unidos”, diz o pesquisador.
Mas o estudo mais fascinante citado pelo jornal envolve os peixes do rio Hudson, que encontraram formas de resistir à poluição hídrica. O rio acumula grandes volumes de bifenilas policloradas, descartadas pela General Electric entre as décadas de 40 e 70. Altamente tóxicos, os PCBs costumam deformar as larvas, que se convertem em peixes inviáveis. Entretanto, as variedades locais de tomcod (Microgadus tomcod), um primo do bacalhau que vive no Hudson, têm se mostrado imunes à toxicidade dos PCBs.
Outro pesquisador ouvido pelo New York Times, Isaac Wirgin, do New York University Medical Center, que estuda essa resistência do tomcod, divulgou em março que praticamente toda a população analisada apresentava uma mutação que bloqueia a ação dos PCBs. No Canadá e em outras partes dos Estados Unidos, não foram encontrados tomcods com essa mutação – ou elas apareceram em porcentagens mínimas da população. A conclusão óbvia dos cientistas: só os peixes mutantes sobreviveram à poluição do Hudson e deixaram descendência, abrindo caminho para o surgimento de uma nova sub-espécie.