Avô da indústria energética atual, esta fonte fóssil recusa a aposentadoria. Para arrepio dos ambientalistas, não falta quem diga que continua indispensável para o mundo e seja ponte fundamental para a energia do futuro
Junto com “vá enxugar gelo”, a expressão “vá limpar carvão” foi consagrada como uma fórmula gaiata para se ver livre dos chatos de plantão. A ideia do gracejo é que, entretido com uma tarefa trabalhosa e hilariamente impraticável, o chato nos dará várias horas de paz. Talvez por isso chegue a ser um pouco difícil levar a sério que os empresários do ramo de energia estejam dispostos a investir bilhões em complicadas tecnologias para, nada mais nada menos, conseguir limpar o carvão mineral. Mesmo vistos com desconfiança e deboche por boa parte dos ambientalistas, os defensores do carvão limpo não desanimam. Eles estão convencidos de que essa é a única maneira viável de manter o mundo suprido de energia e minimizar o aquecimento global ao mesmo tempo.
No Brasil, o carvão ocupa a sexta colocação entre as fontes energéticas mais importantes – atrás de petróleo, eletricidade, bagaço de cana, gás natural, lenha e etanol. Ele representa módicos 4,7% da oferta total e diminutos 1,3% da matriz elétrica. No resto do planeta, contudo, ele é gigante. Dados de 2008 da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) revelam que o carvão é a segunda fonte primária de energia do mundo, com 27% de participação – perdendo, por pouco, do petróleo.
Mas o que realmente surpreende é o quanto a geração de eletricidade depende dele. Pouco menos de 40,8% de toda a energia elétrica que o mundo consumiu em 2008 – cerca de 20,2 milhões de gigawatt-hora (gWh) – foram produzidos com carvão mineral.
Problema ambiental
Sua queima é a maior fonte individual de emissões de gases de efeito estufa (GEE). Ele foi culpado por nada menos que 42,9% das emissões mundiais de 2008, o que dá 12,6 bilhões de toneladas de CO2. Isso, e nem estamos contando todo o missal de problemas ambientais provocados pela atividade, da terra arrasada pelas minas de carvão à sopa de poluentes que as usinas despejam no ar.
Com uma performance ambiental dessas, o consenso entre os ativistas é que o mundo deveria estar correndo para apagar as fornalhas. Lúcia Ortiz, geóloga e coordenadora-geral da Amigos da Terra Brasil, vem militando há anos contra o avanço das usinas de carvão no Brasil. “A gente acha que esse deveria ser o primeiro combustível fóssil a ser eliminado. O carvão deveria ficar debaixo da terra”, resume.
E este é o tom geral. No fim de 2008, o Greenpeace publicou o relatório The True Cost of Coal, que, além de colecionar uma porção de histórias trágicas ligadas à indústria carbonífera, também contratou o instituto de pesquisas holandês CE Delft para calcular os prejuízos socioambientais. A fatura ficou em 360 bilhões de euros por ano.
Em ascensão
Apesar de toda a oposição – e para desespero dela –, o carvão não só persiste, como vive um momento de crescimento acelerado. Um estudo do Massachusetts Institute of Technology (MIT) menciona que a China está construindo o equivalente a duas usinas de 500 megawatts movidas a carvão por semana. Coisas parecidas estão acontecendo no mundo inteiro. Os países em desenvolvimento estão aumentando seu consumo de carvão em um ritmo impressionante. Em 1990, os países da OCDE e os de fora do bloco consumiam quase a mesma quantidade – 2,3 bilhões e 2,4 bilhões de toneladas, respectivamente. Em 2010, os países de fora da OCDE chegaram a 3,9 bilhões, enquanto nos do bloco o consumo permaneceu estável. A previsão é de que, em 2030, os países não OCDE consumam mais do que o dobro que o outro grupo (veja tabela na versão digital desta reportagem).
O que torna o carvão irresistível é o seu preço. Trata-se de uma substância comum, com reservas estimadas em 1 trilhão de toneladas – o bastante para 190 anos de consumo –, que se encontram mais bem distribuídas pelo mundo do que o petróleo. Nas contas do MIT, 1 milhão de BTUs [1] de carvão mineral sai por menos de US$ 2. Para gerar a mesma quantidade de energia usando petróleo ou gás natural, o custo ficaria entre US$ 6 e US$ 12. É por isso que os países em desenvolvimento estão se voltando para o carvão com tanta gana. Ele também está reconquistando os ricos. A recente decisão da Alemanha de desativar suas usinas nucleares até 2022 deve dar impulso ainda maior ao combustível, que já responde por 45,6% da eletricidade alemã.
[1]Uma BTU (British Thermal Unit) é a quantidade de energia necessária para elevar a temperatura de 1 libra de água em 1 grau Fahrenheit. Equivale a 252,2 calorias
Para o bem e para o mal, o carvão mineral está transformando a vida de bilhões de pessoas. O milagre econômico chinês é movido a carvão: ele supre 79% de sua demanda energética. E o mesmo acontece na Índia. “Qual é hoje o combustível que está tirando milhões de pessoas da miséria? É o carvão”, pontifica o presidente da Associação Brasileira do Carvão Mineral, Fernando Luiz Zancan.
Ele não é o único a olhar para o combustível sob esse prisma mais favorável. O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e membro do Grupo de Trabalho 3 do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), Amaro Pereira, concorda que a fonte mineral tem seu lado positivo. “O carvão apresenta grande potencial de contribuir para o aumento das taxas de eletrificação nos países em desenvolvimento, auxiliando na redução dos níveis de pobreza e melhoria da qualidade de vida”, assegura.
Começando a limpeza
Que se trata de uma fonte suja é difícil contestar. Mas também é preciso reconhecer que já foi bem pior. Desde os anos 1980, a indústria vem investindo em um conjunto de tecnologias coletivamente conhecidas como clean coal (carvão limpo, em tradução literal), que têm obtido razoável sucesso em cortar as emissões de diversos tipos de poluentes. Os resultados obviamente variam, mas é possível praticamente zerar as emissões de particulados, diminuir em 99% as de óxido de enxofre (SOx) e em mais de 90% as de óxido de nitrogênio (NOx). O grande desafio de hoje é encontrar uma saída para o CO2.
Para Zancan, a resposta pode ser investir ainda mais nas usinas a carvão. Em sua opinião, os chineses não só estão no caminho correto, ao perseverar em investir em carvão, como, de quebra, estão até “esverdeando” sua matriz energética ao fazê-lo. “Eles estão derrubando 112 gW de térmicas antigas ineficientes e construindo o dobro disso em térmicas eficientes, que emitem muito menos, porque queimam menos carvão”, defende. Segundo ele, investir na eficiência é a estratégia mais imediata para derrubar as emissões – para cada ponto percentual ganho em eficiência, as emissões baixam em 2,5%. E há um espaço enorme para melhorias. “A eficiência média das usinas a carvão é de 28,4%, o que dá uma emissão de 1.110 gramas de CO2 por quilowatt-hora. A média européia está em 36%, com 880 gramas de CO2 pelo mesmo quilowatt. O estado da arte da tecnologia já chega a 43% de eficiência”, enumera Zancan, acrescentando que já existem usinas ultrassupercríticas [2], que chegam a 48%.
[2] As usinas a carvão dividem-se em três tipos. Nas subcríticas, a água sai da caldeira na forma de vapor. Em uma usina supercrítica, a água é retirada da caldeira com temperatura acima do ponto crítico – no qual deveria virar vapor -, e tal transformação é adiada com o uso de pressões elevadas para que ela só aconteça na turbina, o que permite uma transferência de energia mais eficaz. As ultrassupercríticas operam com pressões e temperaturas ainda maiores
“Como ainda não existe tecnologia para a captura de CO2, uma saída é adotar tecnologias mais eficientes”, diz Francisco Porto, coordenador de gestão ambiental no projeto Candiota III – inaugurado em janeiro e que acrescentou mais 355 megawatts aos 446 já instalados no complexo da Usina Termelétrica Presidente Médici, no Rio Grande do Sul. De acordo com o técnico, a usina gaúcha aumentou sua eficiência de 38% para 41%, o que permitiu diminuir o consumo de carvão por unidade de energia. “Antes precisávamos de 1 a 1,1 tonelada para gerar 1 megawatt, agora estamos fazendo o mesmo com 0,8 tonelada”, comemora.
Ainda que todas as usinas do planeta magicamente chegassem ao topo da eficiência, suas emissões continuariam a ser um problemão. Os representantes do setor sabem disso. A tábua de salvação são as chamadas tecnologias de captura e sequestro de CO2 [3] (CCS, na sigla em inglês). “Esse hoje é o grande desafio tecnológico, e a indústria está trabalhando pesado para chegar a uma forma econômica de armazenamento de carbono. Quando isso funcionar, está acabado o problema”, garante Zancan.
[3] O CCS propõe a filtragem das emissões de CO2 e seu armazenamento permanente em reservatórios naturais na crosta terrestre. Existem vários esquemas de CCS em estudo e alguns deles estão sendo testados em escala-piloto
Embora os entrevistados pareçam razoavelmente seguros de que o esquema é tecnicamente possível, ninguém tem ideia de quanto tempo vai demorar até que se torne comercialmente viável. Zancan, por exemplo, diz que ainda “deve demorar uns 10 anos”, enquanto Porto não acha que “leve menos de 20 anos”. Estamos falando de década, o que, vindo de gente que tem quase o dever de ser otimista, não é exatamente bom sinal.
Lúcia Ortiz, da Amigos da Terra, alerta que isso pode ser só um golpe de marketing. “Eles (a indústria de carvão) vendem a ideia de que as novas usinas estão prontas para o sequestro de carbono, só que essa tecnologia ainda não existe. Então, como é possível elas estarem prontas?”, questiona, acrescentando que um dos destinos para o gás carbônico capturado é a injeção nos poços de petróleo, com o objetivo de aumentar a produtividade de outro combustível fóssil. “O CCS não é uma técnica carbono-negativa, pelo contrário”, critica.
Renováveis?
E por que não trocar o carvão mineral por renováveis? Quem é da área de energia também tem um argumento na ponta da língua. Por melhores que a energia solar e eólica sejam, elas são fontes intermitentes. Isso quer dizer que sua disponibilidade varia conforme a quantidade de vento e de dias ensolarados. Não é possível, por exemplo, ligar um hospital em uma turbina eólica e ir dormir despreocupado. Já as térmicas têm a vantagem de gerar uma quantidade constante de energia ao toque de um botão. É o que se chama de energia firme.
Além disso, tem o tamanho da operação. Somados, os combustíveis renováveis, a energia eólica e a solar não chegam a 11% do consumo mundial de energia primária. Seria preciso quase o triplo para que pudéssemos abrir mão do carvão mineral. Isso está acontecendo, mas leva tempo. “A perspectiva é que ocorra uma redução significativa na utilização de fontes de origem fóssil. O último relatório especial do IPCC afirma que as fontes renováveis suprirão 80% da energia em 2050”, garante a secretária-executiva do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, Andrea Santos.
Precisamos de uma solução intermediária e os representantes da indústria garantem que ela é o carvão. “O carvão não é para sempre, mas ele é a ponte entre a energia do presente e a do futuro. Sem ele, não vamos conseguir chegar lá”, conclui Francisco Porto.[:en]Avô da indústria energética atual, esta fonte fóssil recusa a aposentadoria. Para arrepio dos ambientalistas, não falta quem diga que continua indispensável para o mundo e seja ponte fundamental para a energia do futuro
Junto com “vá enxugar gelo”, a expressão “vá limpar carvão” foi consagrada como uma fórmula gaiata para se ver livre dos chatos de plantão. A ideia do gracejo é que, entretido com uma tarefa trabalhosa e hilariamente impraticável, o chato nos dará várias horas de paz. Talvez por isso chegue a ser um pouco difícil levar a sério que os empresários do ramo de energia estejam dispostos a investir bilhões em complicadas tecnologias para, nada mais nada menos, conseguir limpar o carvão mineral. Mesmo vistos com desconfiança e deboche por boa parte dos ambientalistas, os defensores do carvão limpo não desanimam. Eles estão convencidos de que essa é a única maneira viável de manter o mundo suprido de energia e minimizar o aquecimento global ao mesmo tempo.
No Brasil, o carvão ocupa a sexta colocação entre as fontes energéticas mais importantes – atrás de petróleo, eletricidade, bagaço de cana, gás natural, lenha e etanol. Ele representa módicos 4,7% da oferta total e diminutos 1,3% da matriz elétrica. No resto do planeta, contudo, ele é gigante. Dados de 2008 da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) revelam que o carvão é a segunda fonte primária de energia do mundo, com 27% de participação – perdendo, por pouco, do petróleo.
Mas o que realmente surpreende é o quanto a geração de eletricidade depende dele. Pouco menos de 40,8% de toda a energia elétrica que o mundo consumiu em 2008 – cerca de 20,2 milhões de gigawatt-hora (gWh) – foram produzidos com carvão mineral.
Problema ambiental
Sua queima é a maior fonte individual de emissões de gases de efeito estufa (GEE). Ele foi culpado por nada menos que 42,9% das emissões mundiais de 2008, o que dá 12,6 bilhões de toneladas de CO2. Isso, e nem estamos contando todo o missal de problemas ambientais provocados pela atividade, da terra arrasada pelas minas de carvão à sopa de poluentes que as usinas despejam no ar.
Com uma performance ambiental dessas, o consenso entre os ativistas é que o mundo deveria estar correndo para apagar as fornalhas. Lúcia Ortiz, geóloga e coordenadora-geral da Amigos da Terra Brasil, vem militando há anos contra o avanço das usinas de carvão no Brasil. “A gente acha que esse deveria ser o primeiro combustível fóssil a ser eliminado. O carvão deveria ficar debaixo da terra”, resume.
E este é o tom geral. No fim de 2008, o Greenpeace publicou o relatório The True Cost of Coal, que, além de colecionar uma porção de histórias trágicas ligadas à indústria carbonífera, também contratou o instituto de pesquisas holandês CE Delft para calcular os prejuízos socioambientais. A fatura ficou em 360 bilhões de euros por ano.
Em ascensão
Apesar de toda a oposição – e para desespero dela –, o carvão não só persiste, como vive um momento de crescimento acelerado. Um estudo do Massachusetts Institute of Technology (MIT) menciona que a China está construindo o equivalente a duas usinas de 500 megawatts movidas a carvão por semana. Coisas parecidas estão acontecendo no mundo inteiro. Os países em desenvolvimento estão aumentando seu consumo de carvão em um ritmo impressionante. Em 1990, os países da OCDE e os de fora do bloco consumiam quase a mesma quantidade – 2,3 bilhões e 2,4 bilhões de toneladas, respectivamente. Em 2010, os países de fora da OCDE chegaram a 3,9 bilhões, enquanto nos do bloco o consumo permaneceu estável. A previsão é de que, em 2030, os países não OCDE consumam mais do que o dobro que o outro grupo (veja tabela na versão digital desta reportagem).
O que torna o carvão irresistível é o seu preço. Trata-se de uma substância comum, com reservas estimadas em 1 trilhão de toneladas – o bastante para 190 anos de consumo –, que se encontram mais bem distribuídas pelo mundo do que o petróleo. Nas contas do MIT, 1 milhão de BTUs [1] de carvão mineral sai por menos de US$ 2. Para gerar a mesma quantidade de energia usando petróleo ou gás natural, o custo ficaria entre US$ 6 e US$ 12. É por isso que os países em desenvolvimento estão se voltando para o carvão com tanta gana. Ele também está reconquistando os ricos. A recente decisão da Alemanha de desativar suas usinas nucleares até 2022 deve dar impulso ainda maior ao combustível, que já responde por 45,6% da eletricidade alemã.
[1]Uma BTU (British Thermal Unit) é a quantidade de energia necessária para elevar a temperatura de 1 libra de água em 1 grau Fahrenheit. Equivale a 252,2 calorias
Para o bem e para o mal, o carvão mineral está transformando a vida de bilhões de pessoas. O milagre econômico chinês é movido a carvão: ele supre 79% de sua demanda energética. E o mesmo acontece na Índia. “Qual é hoje o combustível que está tirando milhões de pessoas da miséria? É o carvão”, pontifica o presidente da Associação Brasileira do Carvão Mineral, Fernando Luiz Zancan.
Ele não é o único a olhar para o combustível sob esse prisma mais favorável. O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e membro do Grupo de Trabalho 3 do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), Amaro Pereira, concorda que a fonte mineral tem seu lado positivo. “O carvão apresenta grande potencial de contribuir para o aumento das taxas de eletrificação nos países em desenvolvimento, auxiliando na redução dos níveis de pobreza e melhoria da qualidade de vida”, assegura.
Começando a limpeza
Que se trata de uma fonte suja é difícil contestar. Mas também é preciso reconhecer que já foi bem pior. Desde os anos 1980, a indústria vem investindo em um conjunto de tecnologias coletivamente conhecidas como clean coal (carvão limpo, em tradução literal), que têm obtido razoável sucesso em cortar as emissões de diversos tipos de poluentes. Os resultados obviamente variam, mas é possível praticamente zerar as emissões de particulados, diminuir em 99% as de óxido de enxofre (SOx) e em mais de 90% as de óxido de nitrogênio (NOx). O grande desafio de hoje é encontrar uma saída para o CO2.
Para Zancan, a resposta pode ser investir ainda mais nas usinas a carvão. Em sua opinião, os chineses não só estão no caminho correto, ao perseverar em investir em carvão, como, de quebra, estão até “esverdeando” sua matriz energética ao fazê-lo. “Eles estão derrubando 112 gW de térmicas antigas ineficientes e construindo o dobro disso em térmicas eficientes, que emitem muito menos, porque queimam menos carvão”, defende. Segundo ele, investir na eficiência é a estratégia mais imediata para derrubar as emissões – para cada ponto percentual ganho em eficiência, as emissões baixam em 2,5%. E há um espaço enorme para melhorias. “A eficiência média das usinas a carvão é de 28,4%, o que dá uma emissão de 1.110 gramas de CO2 por quilowatt-hora. A média européia está em 36%, com 880 gramas de CO2 pelo mesmo quilowatt. O estado da arte da tecnologia já chega a 43% de eficiência”, enumera Zancan, acrescentando que já existem usinas ultrassupercríticas [2], que chegam a 48%.
[2] As usinas a carvão dividem-se em três tipos. Nas subcríticas, a água sai da caldeira na forma de vapor. Em uma usina supercrítica, a água é retirada da caldeira com temperatura acima do ponto crítico – no qual deveria virar vapor -, e tal transformação é adiada com o uso de pressões elevadas para que ela só aconteça na turbina, o que permite uma transferência de energia mais eficaz. As ultrassupercríticas operam com pressões e temperaturas ainda maiores
“Como ainda não existe tecnologia para a captura de CO2, uma saída é adotar tecnologias mais eficientes”, diz Francisco Porto, coordenador de gestão ambiental no projeto Candiota III – inaugurado em janeiro e que acrescentou mais 355 megawatts aos 446 já instalados no complexo da Usina Termelétrica Presidente Médici, no Rio Grande do Sul. De acordo com o técnico, a usina gaúcha aumentou sua eficiência de 38% para 41%, o que permitiu diminuir o consumo de carvão por unidade de energia. “Antes precisávamos de 1 a 1,1 tonelada para gerar 1 megawatt, agora estamos fazendo o mesmo com 0,8 tonelada”, comemora.
Ainda que todas as usinas do planeta magicamente chegassem ao topo da eficiência, suas emissões continuariam a ser um problemão. Os representantes do setor sabem disso. A tábua de salvação são as chamadas tecnologias de captura e sequestro de CO2 [3] (CCS, na sigla em inglês). “Esse hoje é o grande desafio tecnológico, e a indústria está trabalhando pesado para chegar a uma forma econômica de armazenamento de carbono. Quando isso funcionar, está acabado o problema”, garante Zancan.
[3] O CCS propõe a filtragem das emissões de CO2 e seu armazenamento permanente em reservatórios naturais na crosta terrestre. Existem vários esquemas de CCS em estudo e alguns deles estão sendo testados em escala-piloto
Embora os entrevistados pareçam razoavelmente seguros de que o esquema é tecnicamente possível, ninguém tem ideia de quanto tempo vai demorar até que se torne comercialmente viável. Zancan, por exemplo, diz que ainda “deve demorar uns 10 anos”, enquanto Porto não acha que “leve menos de 20 anos”. Estamos falando de década, o que, vindo de gente que tem quase o dever de ser otimista, não é exatamente bom sinal.
Lúcia Ortiz, da Amigos da Terra, alerta que isso pode ser só um golpe de marketing. “Eles (a indústria de carvão) vendem a ideia de que as novas usinas estão prontas para o sequestro de carbono, só que essa tecnologia ainda não existe. Então, como é possível elas estarem prontas?”, questiona, acrescentando que um dos destinos para o gás carbônico capturado é a injeção nos poços de petróleo, com o objetivo de aumentar a produtividade de outro combustível fóssil. “O CCS não é uma técnica carbono-negativa, pelo contrário”, critica.
Renováveis?
E por que não trocar o carvão mineral por renováveis? Quem é da área de energia também tem um argumento na ponta da língua. Por melhores que a energia solar e eólica sejam, elas são fontes intermitentes. Isso quer dizer que sua disponibilidade varia conforme a quantidade de vento e de dias ensolarados. Não é possível, por exemplo, ligar um hospital em uma turbina eólica e ir dormir despreocupado. Já as térmicas têm a vantagem de gerar uma quantidade constante de energia ao toque de um botão. É o que se chama de energia firme.
Além disso, tem o tamanho da operação. Somados, os combustíveis renováveis, a energia eólica e a solar não chegam a 11% do consumo mundial de energia primária. Seria preciso quase o triplo para que pudéssemos abrir mão do carvão mineral. Isso está acontecendo, mas leva tempo. “A perspectiva é que ocorra uma redução significativa na utilização de fontes de origem fóssil. O último relatório especial do IPCC afirma que as fontes renováveis suprirão 80% da energia em 2050”, garante a secretária-executiva do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, Andrea Santos.
Precisamos de uma solução intermediária e os representantes da indústria garantem que ela é o carvão. “O carvão não é para sempre, mas ele é a ponte entre a energia do presente e a do futuro. Sem ele, não vamos conseguir chegar lá”, conclui Francisco Porto.