ÍNDIOS DRIBLAM ATRAVESSADOR E VENDEM DIRETO À MICHELIN
Um grupo formado por índios Rikbaktsa e Zoró, aliados aos seringueiros da reserva extrativista Guariba-Roosevelt e a pesquisadores das universidades federal e estadual de Mato Grosso, busca desde 2003 realizar tarefa complexa: criar um modelo de desenvolvimento alternativo no Noroeste de Mato Grosso, que preserva as últimas porções de floresta do Estado vice-campeão nacional de desmatamento (atrás do Pará). Em quase uma década, o projeto Pacto das Águas já comercializa castanha-do-brasil e látex com empresas como a Ouro Verde, do grupo Orsa, e a fabricante de pneus Michelin. Um dos coordenadores, o biólogo Plácido Costa, fala a Página22 sobre a iniciativa.
O que motivou a criação do Pacto das Águas?
Nessa região, o modelo tradicional é o de supressão total da floresta para pastagens. Havia uma divisão na forma como os povos indígenas se relacionavam com os recursos para geração de renda: alguns, por falta de opção, permitiam a retirada de madeira de forma ilegal; e outros eram totalmente avessos a isso. Esse trabalho surgiu como alternativa de manejo e comercialização de recursos florestais não madeireiros.
Qual é o benefício econômico do projeto para esses povos?
Partimos de uma produção de 15 toneladas de castanha anuais coletadas por menos de 50 castanheiros da etnia Rikbaktsa. Essa produção era vendida a atravessadores por R$ 0,50 a R$ 0,70 o quilo. Hoje esse trabalho envolve quatro Terras Indígenas e uma reserva extrativista, com mais de 600 castanheiros e uma produção estimada de 180 a 200 toneladas na safra 2011/2012, que será comercializada a R$ 2 o quilo diretamente com empresas como a Ouro Verde Amazônia e a Cooperativa dos Agricultores do Vale do Amanhecer, e não mais com atravessadores.
E em relação à borracha, existem seringueiras nativas suficientes para atender a uma grande demanda industrial?
Atualmente temos 150 famílias manejando 30 mil seringueiras nativas. Mas o potencial é imenso. O Brasil consome ao ano em torno de 300 mil toneladas de borracha natural e produz apenas 200 mil toneladas (entre produção nativa e oriunda de cultivo). Além da qualidade superior do látex das seringueiras nativas, a borracha natural é a principal matéria-prima da indústria pneumática.
Como as comunidades indígenas lidam com a administração dos negócios?
O que temos imprimido nesse momento é um processo de cogestão na administração desses negócios, passando das formas de extrativismo clássico para a relação com empresas. Há muitos desafios e tropeços nesse processo de aprendizagem, mas o saldo é positivo. Cito como exemplo a associação indígena do povo Zoró, que, através da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), já pegou empréstimos sucessivos do Programa de Formação de Estoque de Alimentos e, nestes últimos oito anos, movimentou mais de R$ 1 milhão, saldando os financiamentos de forma correta.
Esses negócios se autossustentam ou ainda dependem de algum apoio ou patrocínio?
A sustentabilidade financeira do negócio é uma meta perseguida diariamente. Parte significativa dos custos é subsidiada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Programa Petrobras Ambiental. Se levarmos em consideração os serviços ambientais que esses povos e terras indígenas prestam, como a emissão evitada de carbono e a manutenção da biodiversidade, verão que a conta paga é muito pequena.