Nesse fim de ano estive nos Estados Unidos, terra de excessos, onde aos poucos a crise econômica arrefece. Os shopping centers voltaram a encher na época de Natal mas, pela primeira vez, vi gente dormindo debaixo de pontes. Parece que por trás do reaquecimento do consumo, a doença de fundo da economia americana permanece. O mesmo vale para outras economias desenvolvidas que, desde o estouro da bolha imobiliária em 2007, lutam para se reerguer com base na velha receita de consumir cada vez mais. Enquanto os economistas do mainstream prescrevem crescimento a qualquer custo, há quem busque uma receita alternativa.
A new economics foundation (nef), entidade britânica que defende uma economia que leve em conta as pessoas e o planeta, defende, por exemplo, uma semana de trabalho mais curta como forma de dividir melhor os empregos disponíveis – e, por conseqüência, a renda – e de caminhar em direção a mudanças importantes na sociedade. Menos trabalho e mais lazer também está no centro do modelo desenvolvido pelo economista Peter Victor que mostra que a economia canadense teria a ganhar com menos crescimento.
Essa semana a nef promoveu um debate entre alguns dos maiores defensores da ideia. No centro, um documento produzido pela entidade em 2010 que propõe que a Inglaterra adote uma semana de trabalho de 21 horas como norma, em vez das tradicionais 40 horas. Isso “poderia ajudar a enfrentar uma série de problemas urgentes e interligados: trabalho excessivo, desemprego, consumo excessivo, emissões de carbono altas, bem-estar em baixa, desigualdade persistente, e falta de tempo para viver sustentavelmente, para cuidar dos outros, para simplesmente aproveitar a vida”.
Segundo a nef, 21 horas está bem próximo do tempo médio que os britânicos em idade ativa gastam fazendo trabalho recompensado. “Não há nada natural ou inevitável sobre o que é considerado normal hoje”, argumentam os economistas da nef. O capitalismo industrial transformou o tempo e o trabalho em commodities, mas hoje os trabalhadores convivem com novas pressões e riscos devido às novas tecnologias que tornaram a comunicação instantânea e móvel.
Para liberar-se da base industrial sem adicionar novas pressões, diz a nef, é preciso mudar a forma de avaliar trabalho recompensado e aquele não recompensado. “Por exemplo, se o tempo médio dedicado ao trabalho não remunerado em casa e no cuidado com a crianças na Grã-Bretanha em 2005 fosse avaliado em termos do salário mínimo, valeria o equivalente a 21% do PIB do Reino Unido”.
Motivos para encurtar a jornada de trabalho não faltam. Entre eles, tirar as pessoas da roda viva de viver-para-trabalhar-para-consumir, ajudando a reduzir a demanda por recursos naturais para produção de bens de consumo e a mover-se em direção a uma economia de baixo carbono. Distribuir melhor o emprego em geral e o trabalho não recompensado entre homens e mulheres. E tornar a economia mais resiliente e próspera.
Também não faltam críticas a propostas como a da nef e a experiências como a da França, que instituiu a jornada de 35 horas em 2000. Enquanto o governo francês e economistas independentes garantem que a medida gerou milhares de empregos, seus críticos apontam que o resultado foi um aumento de produtividade por hora trabalhada. Em 2008, o governo introduziu uma série de medidas que acabou, na prática, com o limite a 35 horas e hoje os franceses trabalham, em média, 38 horas por semana.
Os críticos à ideia da semana de 21 horas destacam que a medida seria prejudicial aos trabalhadores que recebem os salários mais baixos, reduzindo consideravelmente sua renda. Outros atacam a visão de fundo de reduzir o consumo, dizendo que há evidências de que as pessoas querem consumir e que políticas públicas não podem determinar o quanto as pessoas devem trabalhar ou consumir. A nef admite que não é possível adotar a medida sem uma série de ações preparatórias e preventivas, mantendo em mente que a jornada de 21 horas faz parte de uma “transição ampla e incremental para a sustentabilidade social, econômica e ambiental”.
O que a entidade propõe é o início de um debate nacional para examinar os benefícios, desafios, barreiras e oportunidades associadas a uma semana de trabalho de 21 horas. Com o fantasma da desigualdade e da pobreza rondando, talvez os países ricos percebam agora que não podem se dar ao luxo de se prender a apenas um cenário futuro – o de mais consumo e crescimento econômico. É hora de diversificar.