O texto abaixo é uma contribuição da leitora Luciana Simões para Página22. Luciana é engenheira florestal, mestre em conservação e manejo de florestas tropicais e MBA em gestão da sustentabilidade.
Após os inventários e ações de mitigação nos temas de água e carbono, as empresas se deparam agora com uma adicional necessidade: a medição dos impactos e dependências da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos. Não por acaso essa contabilidade é ainda muito tímida. As intrincadas relações dos ecossistemas naturais e sua valoração não são fáceis de serem diagnosticadas e avaliadas – ao contrário da água e do carbono, que têm métricas simples e expressivas, como litros e toneladas.
As dificuldades, no entanto, não impedirão que as empresas tenham de incorporar bons diagnósticos e eficientes planos de ação em suas estratégias. Os negócios dependem de uma provisão constante e estável de recursos naturais para a continuidade de sua operação. No mínimo, trata-se de gestão de risco e eficiência de muitos recursos cada vez mais escassos e, portanto, mais caros.
A inter-relação dos recursos é cada vez mais estreita e clara. Exemplo: a escassez de água impacta a agricultura, afeta a geração de energia e acarreta aumento de preço das commodities. Podemos falar também do suprimento cada vez mais inelástico, em que mais investimentos são necessários em locais mais distantes e menos produtivos. Segundo a consultoria McKinsey, embora os preços de algumas commodities tenham caído, é prevista uma era de recursos com preços altos e voláteis[i]. Para diferentes setores pode ser uma questão de curto ou de longo prazo – mas é uma questão.
Alguns sinais nos mostram que, mais que uma tendência, a gestão da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos já está incorporada nas discussões sobre negócios, embora ainda muito mais em instâncias de governança global e setorial do que na estratégia das empresas.
Há pouco tempo, dificilmente poderíamos imaginar que fóruns internacionais de economia e comércio pudessem considerar o assunto. Em 2010 a consultoria PwC preparou um documento para o Fórum Econômico Mundial no qual explora os riscos reais que a perda de biodiversidade e a degradação dos ecossistemas irão impor aos negócios na próxima década. Para o relatório da Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento (OECD) – Environmental Outlook to 2030 – a biodiversidade é considerada uma das quatro prioridades críticas ambientais das próximas duas décadas.
A Conferência das Partes da Convenção sobre a Diversidade Biológica, em 2010 em Nagoya, no Japão, teve a expressiva participação do setor privado, que em um evento paralelo apresentou inúmeras iniciativas do seu engajamento no tema. Se as iniciativas ainda carecem de senso de urgência e de escala, não se pode ignorar que o tema está no ar.
Os desdobramentos no Brasil foram significativos: a criação do Movimento Empresarial pela Biodiversidade (MEB), a proposição de pagamento pelos serviços ecossistêmicos feita pelo Instituto Ethos para o documento nacional da Conferência Mundial Rio+20, e a contribuição do setor empresarial na consulta pública de elaboração do plano de metas brasileiras para o período 2011-2020. Esse plano irá acelerar o desenvolvimento de regulações e aumentar a demanda sobre as empresas.
Sem dúvida, a Rio+20, que tem como um dos temas centrais a economia verde, trará mais elementos para essa discussão uma vez que a crise econômica e a ambiental possuem origens comuns e devem ser tratadas conjuntamente.
O setor financeiro e a área de relatoria também emitiram sinais consistentes sobre mudanças. A partir de 2012, o Internacional Finance Corporation (IFC) passa a considerar os serviços ecossistêmicos no padrão de performance 6, que já tratava de biodiversidade. Além de acrescentar definições para habitats naturais, modificados e críticos, o que deve promover maior consistência na avaliação dos projetos, a atualização providencialmente pontua a necessidade de investigação dos impactos da cadeia de suprimentos em situações que levem à conversão de habitas naturais e/ou críticos. Para 2013, o Global Reporting Initiative (GRI) pretende lançar a quarta geração (G4) de relatoria em sustentabilidade, atualmente em processo de consulta, onde os serviços ecossistêmicos serão contemplados. Para apoiar um melhor entendimento sobre essa questão foi produzida uma publicação – Approach for reporting on ecosystem services: incorporating ecosystem services into an organization’s performance disclosure) que versa sobre a realidade de se monitorar o status dos serviços ecossistêmicos e a viabilidade de se incorporar informações desta natureza em um relatório de sustentabilidade.
Se as empresas ainda se aventuram em um safári na busca por metodologias adequadas e eventualmente capitaneiam adaptações para atender suas demandas as ofertas não são tão restritas quanto se poderia imaginar em função da dificuldade do tema. Em uma busca atenta podem ser encontrados ainda, vários estudos de caso setoriais, notadamente daqueles cujos impactos e dependências dos recursos naturais é direto.
Algumas organizações se destacam pelo trabalho consistente que vêm realizando, dentre elas a World Resources Institute. A WRI apresentou em 2008 um documento com diretrizes para a identificação dos riscos e oportunidades dos negócios decorrentes da degradação dos ecossistemas. Para 2012, e neste momento em fase de consulta, lançará o Ecosystem Services Review for Impact Assessment. A metodologia tem como objetivo dar orientações práticas de como incorporar os serviços ecossistêmicos nas avaliações de impactos ambientais e sócio-econômicos.
Outro exemplo de ferramenta é a Ecosystem Services Benchmark[ii]. Composta pelo próprio documento de benchmark, um guia de orientação e uma planilha eletrônica, a caixa de ferramentas, que foi desenhada para auxiliar a avaliação dos riscos e oportunidades associados à biodiversidade e aos serviços ecossistêmicos, tem como público alvo os investidores, mas também pode ser usada pelo setor bancário e de seguros. Até porque fundos com estratégia de investimento sustentável são um nicho.
Para uma visão geral dos impactos e dependências dos negócios em biodiversidade e serviços ecossistêmicos, bem como dos riscos e oportunidades associados, uma boa indicação é a publicação do Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas intitulado Você é um líder verde?
Há, no entanto, um patamar importante a ser atingido pelas empresas no que se refere à construção de uma visão integrada e abrangente dos seus riscos e dependências, inclusive e principalmente ampliando essas avaliações para toda a cadeia de valor.
A complexidade dos sistemas naturais, de suas inter-relações e o seu poder de regeneração precisam ser captados de maneira igualmente sistêmica, o que demanda uma gestão mais atenta e um olhar mais refinado. A eventual dificuldade de se fazer bom uso das informações levantadas e principalmente de se conduzir interpretações significativas não só pode ser desestimulante, mas também levar a uma evolução mais lenta e menos ambiciosa do processo.
Uma das ferramentas mais ousadas que se tem conhecimento foi lançada no ano passado pela Puma (Página 22, edição dezembro 2011). A empresa formatou uma metodologia de contabilização de lucros e perdas ambientais (Environmental Profit & Loss Account), cujo objetivo é promover a valoração econômica de seus impactos ambientais – operação e cadeia de suprimento. A empresa focou em cinco temas: emissão de carbono, consumo de água, mudança do uso da terra (para obtenção de matéria-prima), poluição do ar e resíduos da sua operação e cadeia de suprimentos. A iniciativa tem o mérito de inovar e elevar a contabilidade empresarial a um novo patamar. Disponibiliza dados para internalizar as externalidades.
Além de propiciar uma melhor gestão dos negócios, lidando antecipadamente com a escassez e novos custos na aquisição de matéria-prima, as informações obtidas devem induzir a revisão do próprio modelo de negócios para o futuro. É uma mudança de perspectiva.
[i] Resources Revolution – meeting the world´s energy, material, food and water needs. Novembro 2011.
[ii] A ferramenta da The Natural Value Initiative tem entre seus parceiros a FGV.