Se acessar recursos, tecnologia, mercados e boa infraestrutura, o pequeno agricultor responderá à segurança alimentar, com produção de qualidade e desenvolvimento socioambiental
Em 31 de outubro de 2011, o nascimento do sétimo bilionésimo habitante do mundo fez acender luzes amarelas sobre a segurança alimentar – assunto que vem ganhando cores dramáticas, como na severa crise que atingiu milhões no Chifre da África. Diagnósticos evidenciam, entretanto, que o problema da fome não está na produção para atender à crescente demanda – a questão, na verdade, é de acesso.
Dependendo do modelo de produção no qual nos baseamos, é viável pensar que temos capacidade de alimentar 7, 8 ou 9 bilhões de pessoas. O caminho está no desenvolvimento de modelos baseados na agricultura familiar. Essa mensagem apareceu claramente na mais recente experiência da Formação Integrada para Sustentabilidade (FIS), disciplina eletiva da FGV Eaesp, em que alunos visitaram produtores no interior do estado São Paulo e em Mato Grosso para responder ao desafio de estruturar um fundo de apoio ao pequeno agricultor. A FIS baseia-se em um processo formativo transdisciplinar, por meio do qual os alunos fazem pesquisas de campo e consultam especialistas para investigar um desafio real.
Em campo, os alunos puderam ver como os agricultores familiares [1] ancorados na produção diversificada de pequeno porte, promovem a circulação regional e o abastecimento alimentar descentralizado, o que tende a facilitar o acesso ao alimento e a diminuir eventuais desperdícios.
[1] Respondem por 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros, 74% da mão de obra no campo, 10% do pIB brasileiro e um terço do pIB do agronegócio, ocupando 24% das terras agricultáveis
Apesar de sua importância, esse ator não recebe a atenção que merece. Da mesma forma que o acesso é o maior entrave na questão da segurança alimentar, também é o maior obstáculo desses agricultores, no que diz respeito a terra, mercado, informação, financiamento, cidadania, educação, saúde, técnicas de cultivo, tecnologia, lazer, entre outros.
Apesar dos esforços das políticas públicas voltadas para o pequeno produtor, tais como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), o passivo histórico, a falta de capital humano e social e a ausência de estrutura no espaço rural ainda são muito grandes, inibindo uma produção de qualidade, quantidade e frequência necessárias para abastecer escolas e mercados.
Ainda vale lembrar a dureza da vida no campo, onde se trabalha de sol a sol, de segunda a segunda, e em que são necessários conhecimentos de agronomia, economia, gestão, meteorologia, conservação do solo, recursos hídricos. Um trabalho, enfim, nada fácil e bem pouco reconhecido. Diante dessas condições de vida no meio rural e dos apelos da vida urbana, os jovens hoje têm pouco interesse em prosseguir com as atividades de seus pais, agravando o êxodo rural e deixando uma lacuna entre as gerações.
Medidas para tornar esse ofício menos duro, atrair e fixar o jovem na profissão são urgentes para a continuidade e o desenvolvimento da agricultura familiar. É fundamental um esforço de reconhecimento das atividades rurais em busca de uma real percepção do valor desse trabalho, além de investimento público em P&D voltado para essa agricultura. Cabe ressaltar a multifuncionalidade dos agricultores familiares, que, além de produzir energia, fibra e alimento, são responsáveis pela conservação do intangível cultural do campo. Com um olhar de oportunidades, também podem ser responsáveis pela prestação de serviços ambientais.
Para isso, será preciso construir as pontes entre essa população e os recursos disponíveis. Nesse sentido, os alunos da FIS propuseram a criação de um fundo de apoio que visa conectar instituições, atores e os programas existentes aos pequenos produtores e, assim, promover a formação de um tecido social rural que garanta o desenvolvimento no campo.
Outro ponto destacado pela proposta é o resgate da relação cidade-campo, que seria estimulado por meio do turismo rural, intercâmbios entre produtores, feiras e eventos. Também se torna essencial trabalhar os hábitos de consumo da vida urbana, a fim de compreendermos o valor e o benefício dos modelos de produção da agricultura familiar e sua importância para a sociedade.
Para fazer frente a tantos desafios, a metade vazia desse copo deve ser percebida como uma grande oportunidade. Uma chance para produzirmos alimentos com diversidade e qualidade, promover desenvolvimento rural e criar possíveis soluções ambientais – o que nos faria compreender melhor a contribuição desses 4 milhões de famílias no desenvolvimento socioeconômico brasileiro.
*Pesquisador do GVces. Colaboraram Carolina Schiesarl, Marcelo Falciano e Gustavo Eiras, alunos da FIS