Entrevista com Rodrigo C. A. Lima
FLÁVIO CARRANÇA
É possível conciliar a enorme e crescente demanda por alimentos em todo o planeta com a adoção de práticas sustentáveis? Como os diversos modelos de produção podem coexistir, de forma equilibrada? A contribuição que a Rio+20 pode trazer para o equacionamento desse problema é um dos assuntos desta entrevista com Rodrigo C. A. Lima, gerente-geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone).
Que tipo de compromisso a Rio+20 pode estabelecer que influencie países com grande produção agrícola, como o Brasil, a tornarem- se mais sustentáveis e amigáveis ao clima e à biodiversidade?
Um dos objetivos que começam a desenhar-se para a Rio+20 é discutir regras ou indicadores do que sejam padrões de produção e de consumo sustentáveis. Esse pode ser um dos resultados concretos da conferência.
É possível que a Rio+20 adote uma agenda que inicie um processo de negociação, porque isso é muito amplo. É necessário haver pelo menos uma linha de princípios básicos, mas a discussão sobre os detalhes do que seriam esses padrões ocorreria em um processo futuro de negociação.
A agricultura brasileira pode ser desenvolvida de maneira sustentável e sem aumentar o desmatamento?
As propriedades privadas no Brasil possuem florestas. São mais ou menos 250 milhões de hectares de vegetação. E essas áreas de preservação permanente (APPs) e de reserva legal são fundamentais para conservar a biodiversidade – que é o conceito delas tanto no Código Florestal atual quanto no que está em discussão. Um segundo elemento é o Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono), que são tecnologias bastante conhecidas: fazer plantio direto, integração lavoura-pecuária e plantar mais florestas para resolver a questão do carvão vegetal renovável. O grande desafio é dar escala a essas ações. E o ponto-chave é a recuperação de pastagens e outras áreas agrícolas degradadas. O Brasil possui ao menos 40 milhões de hectares de área aberta que pode ser recuperada para a atividade produtiva nas próximas décadas.
A erradicação da pobreza será um dos temas da Rio+20. O senhor acredita que os objetivos do agronegócio sejam compatíveis com o atendimento das demandas de segmentos historicamente excluídos, como quilombolas e indígenas?
Eu não só entendo que é possível como é necessário. Isso certamente vai aparecer na Rio+20: visões de que uma agricultura é a correta e a outra é a errada. Se no Brasil existe agronegócio, agricultura familiar, assentamento, quilombolas, índios, orgânicos, transgênicos, são interesses distintos, mas são modelos que precisam coexistir. Entendo que a questão é um ponto de equilíbrio entre esses modelos.
Como o Icone vê a proposta de criação de uma Organização Mundial do Meio Ambiente?
Os europeus querem criar uma “OMC” (Organização Mundial do Comércio) para meio ambiente, o que entra naquela ideia de governança ambiental. Penso que a discussão é válida, mas é importante lembrar que economia verde ou desenvolvimento sustentável só faz sentido na medida em que considere as características de cada país, sem receita única. A pressão vinda de fora é pelo desmatamento zero, mas ninguém considera o que a gente tem de florestas nas fazendas. Então por que esse modelo brasileiro não se torna o padrão? Ninguém vai querer, porque vão ter de plantar floresta onde todo mundo já desmatou. Mas por que isso não é reconhecido como um elemento de desenvolvimento sustentável da agricultura brasileira?