Condutas irregulares em “fazendas de peixes” põem em risco a saúde do meio ambiente e dos consumidores, além dos próprios negócios – alerta rede de investidores com US$ 12 trilhões em ativos, voltada para a sustentabilidade no mercado de proteína animal
Dietas à base de peixes e frutos do mar, como as dos países mediterrâneos ou as do Japão, sempre aparecem associadas a saúde, bem-estar e longevidade. Só que há muito mais coisas entre o mar e um atraente sushi de salmão ou um saboroso risoto de camarão do que apenas um bom cozinheiro, um pescador e uma peixaria.
A aquicultura marinha (produção de pescados em cativeiro em regiões costeiras) surgiu algumas décadas atrás como uma solução inovadora para frear a pesca predatória em grande escala e para aumentar a oferta da proteína a um número crescente de consumidores.
Com o passar do tempo, a atividade tornou-se uma significativa oportunidade de negócio, movimentando atualmente no globo mais de US$ 232 bilhões. Poderia ser uma solução perfeita, se as chamadas fazendas de peixes fossem manejadas com responsabilidade ambiental e social. Mas nem sempre é assim.
O sinal de alerta já soou em vários países chamando atenção para condutas irregulares e até ilegais nessa cadeia de valor, que põem em risco a saúde do meio ambiente e dos consumidores. A ausência em muitas empresas de um bom sistema de governança apresenta risco à sobrevivência dos próprios negócios, que trazem consigo milhares de empregos.
Esse é o quadro apontado por um estudo lançado ontem, Dia Mundial do Meio Ambiente, realizado pela FAIRR Initiative, uma rede de investidores com mais de US$ 12 trilhões em ativos, voltada para a sustentabilidade no mercado de proteína animal.
Segundo o relatório, intitulado Shallow returns? (Superficialidade compensa?), mais da metade dos pescados consumidos hoje no mundo (53%) é proveniente da aquicultura e os problemas provocados pela fraca governança no setor são graves e variados: vão desde altos níveis de emissões de gases de efeito estufa, destruição de habitats e efeitos adversos sobre a biodiversidade, até doenças nos animais, uso excessivo de antibióticos, conflitos em comunidades, violações de direitos trabalhistas e contrabando de frutos do mar, entre outros.
No caso da mudança climática, por exemplo, o documento destaca que, além de contribuir significativamente para o aquecimento global, o setor está altamente exposto aos seus impactos. “Até 2050 o aumento das temperaturas e da acidez dos oceanos terão derrubado em até 30% a produção de peixes em cativeiro no Sudeste Asiático, uma das maiores áreas de aquicultura do mundo”.
Entre os problemas já instalados, o relatório cita um surto recente de algas daninhas na Noruega que já exterminou cerca de 8 milhões de salmões. Essa mesma crise foi enfrentada pelo Chile em 2016. Na ocasião, o vizinho sul americano amargou prejuízos estimados em US$ 800 milhões com a morte de 7 milhões de salmões, o equivalente a um quinto da produção nacional daquele ano. O surgimento das algas tóxicas está relacionado aos efluentes descarregados dos tanques – resíduos orgânicos compostos por nutrientes excretados pelos animais cultivados.
Outro problema ambiental muito comum na aquicultura é a propagação de espécies invasoras na região onde são instalados os tanques – a fuga de milhões de peixes todos os anos tem um impacto devastador nos ecossistemas selvagens, e pode comprometer todo o habitat e acabar com a reputação das empresas envolvidas.
Diz ainda o estudo que, em algumas regiões, as empresas de aquicultura estão apelando para o uso excessivo de antibióticos a fim de manter a escala de produção, ou seja, nadam na contramão dos esforços globais de combate a essa prática. E, sem querer comprometer o apetite dos apreciadores de um belo combinado de sushis, o documento informa que na produção de salmão no Chile, por exemplo, o uso de antibiótico é dez vezes maior que o volume tipicamente aplicado nas criações de frango.
Especificamente sobre o Brasil, o FAIRR Initiative menciona em seu estudo a instalação de fazenda marinha em Búzios e Cabo Frio, no Rio de Janeiro, para cultivo de vieiras e mexilhões sem consulta ao Ibama e ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), nem tampouco audiência pública para prestar esclarecimentos à população e às unidades de conservação ambiental sobre possíveis danos decorrentes da atividade. O Ministério Público Federal está exigindo explicações do Instituto Estadual do Meio Ambiente (Inea) sobre a existência de licença ambiental para a atividade no local, como pode ser visto aqui.
O cultivo de peixes no Brasil cresceu 4,5% no ano passado em relação a 2017, segundo levantamento da Associação Brasileira de Piscicultura (PeixeBr). O resultado modesto é atribuído à demora na regulamentação e ao fraco desempenho da economia. Ainda assim, o País é o quarto produtor mundial de tilápia (água doce), espécie mais cultivada globalmente. O maior produtor brasileiro de peixes é o Paraná, que aumentou a produção em 16% em 2018 na comparação com o período anterior.
O relatório da FAIRR também destaca tecnologias e inovações capazes de equacionar os desafios de sustentabilidade do setor. Por exemplo, a startup brasileira AgroTools fornece um serviço que permite verificar se determinada matéria-prima foi adquirida de fornecedores que adotam práticas sustentáveis. O serviço coleta dados de uma série de fontes, incluindo informações de satélite, para determinar o que acontece em um determinado território e se cada produtor da cadeia está aderindo aos parâmetros de sustentabilidade.