A água será objeto da primeira conta econômico-ambiental do Brasil, trazendo informação valiosa para os gestores públicos
Anfitrião da Rio+20, o Brasil ainda não estabeleceu um sistema nacional de contas econômico-ambientais integradas, conforme recomendação do item 8 da Agenda 21, um dos principais documentos adotados na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92. Mas, na Rio+20, o País deverá finalmente anunciar que terá pronta em 2014 a conta nacional da água – sua primeira conta econômico-ambiental. Está prevista para este mês a assinatura de portaria conjunta dos ministérios do Meio Ambiente e do Planejamento que instalará o grupo de trabalho responsável pelos cálculos da conta. Participarão técnicos da Agência Nacional de Águas (ANA) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A primeira edição da conta da água divulgará dados de 2013, informa Marco Neves, assessor do diretor-presidente da ANA. Como a medição seguirá os padrões estatísticos do Sistema de Contabilidade Ambiental e Econômica Integrada da Divisão de Estatística das Nações Unidas, suas informações poderão ser comparadas com as de outros países que possuem o instrumento, caso da Austrália.
Segundo Neves, mediante a conta nacional da água, será possível entender melhor a relação entre uso da água e dinâmica econômica. A ANA dispõe de muitos dados sobre disponibilidade e demanda hídrica, mas ainda não há informações mais sólidas sobre o custo da água para os setores econômicos. Não se sabe também quanto se gera de valor na produção a cada metro cúbico de água consumido pela agricultura, indústria e setor de serviços. “Poderemos saber se um determinado setor econômico está agregando maior valor financeiro com decréscimo no consumo de água”, explica. Em um segundo momento, talvez em 2014, o indicador também medirá em termos monetários as perdas acarretadas ao país pela poluição do mar e de rios, lagos e represas.
“Esse tipo de informação é muito valioso para os gestores públicos”, observa Wadih João Scandar Neto, diretor de Geociências do IBGE. “A conta permitirá ao gestor, por exemplo, administrar melhor os conflitos de uso do recurso, facilitando sua decisão sobre outorgar mais água para a indústria ou a agricultura em determinada bacia.” Há muitos dados sobre consumo de água, assinala o executivo do IBGE, mas são parciais e não estão integrados à dimensão econômica da produção industrial e primária. Além do mais, a conta brasileira da água será tecnicamente bastante confiável, visto que seguirá o padrão internacional de contas econômico-ambientais definido em fevereiro pela ONU.
A recomendação para os países produzirem suas contas nacionais econômico-ambientais deverá ser reiterada na declaração final da Rio+20. No item 111 do Rascunho Zero, documento divulgado em janeiro, é reconhecida a limitação do Produto Interno Bruto para medir o bem-estar humano e a necessidade de indicadores complementares ao índice que integrem as dimensões econômica, ambiental e social.
Para o professor José Eli da Veiga, do Instituto de Relações Internacionais da USP, a declaração final deveria sugerir a formulação de indicadores que superem o PIB em vez de o complementarem, como prevê o rascunho. Simultaneamente, propõe Veiga, a declaração precisa fazer referência explícita às recomendações do Relatório Stiglitz-Sen-Fitoussi, de 2009: maior ênfase no consumo familiar que no PIB, criação de um índice de qualidade de vida e uso de alguns indicadores biofísicos, como as pegadas de carbono, água e nitrogênio. “Fora disso, será inevitavelmente mais conversa fiada”, critica o professor da USP.
As contas econômico-ambientais medem a contribuição à economia de ativos ambientais como água, ar, solo, floresta, minerais e biodiversidade, bem como contabilizam monetariamente a degradação de recursos naturais causada pela atividade econômica. Dessa forma, conferem visibilidade a dimensões inexistentes no cálculo do PIB. Estudos recentes, a exemplo do trabalho sobre economia verde publicado em 2011 pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e do relatório da Comissão Stiglitz-Sen-Fitoussi, apontam a hegemonia do PIB na avaliação do desempenho econômico como um fator limitante ao desenvolvimento sustentável de uma nação.
Isso ocorre porque o PIB calcula basicamente a variação negativa ou positiva na produção de bens e serviços. Na economia convencional, o crescimento robusto do PIB sinaliza a boa saúde econômica de uma nação, não importando que o desempenho esteja associado à piora de indicadores ambientais e sociais. Não é deduzido do PIB, por exemplo, o custo das doenças e milhares de mortes provocadas pela poluição atmosférica na China decorrente do crescimento exuberante e veloz da economia asiática nas duas últimas décadas.
“É importante destacar que há uma longa história de tentativas de desenvolvimento de contas ambientais”, sublinha Sandra Paulsen, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Segunda ela, o tema ganhou mais atenção com a Comissão Stiglitz-Sen-Fitoussi, mas o americano Robert Repetto, um dos mais importantes economistas ambientais da atualidade, já falava da necessidade de incorporar o capital natural na contabilidade nacional lá pelos idos da década de 1980.