Replicamos aqui texto da editora Amália Safatle, originalmente publicado em seu blog no TerraMagazine
Uma noite antes de o Congresso Nacional aprovar um dos maiores retrocessos ambientais dos últimos tempos – o novo Código Florestal – Amartya Sen tecia elogios ao Brasil pela proeminência no cenário mundial, conquistada pela combinação entre crescimento rápido e melhorias sociais advindas de políticas públicas.
O economista indiano, Nobel em 1998, que ficou conhecido por conceituar desenvolvimento como o exercício das liberdades, falou a uma plateia cheia na Sala São Paulo sobre como o Brasil ganhou importância na arena global nas últimas décadas. A seu ver, porque superou o medo de ser consumido pelo dragão inflacionário, promoveu uma expansão universal em educação e saúde, tornou-se uma voz forte no G-20, e destacou-se pelo exercício da democracia entre seus pares no Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), bloco que por sua vez surge como de significativa importância.
Mas na época em que os olhos do mundo se voltam cada vez mais para questões ambientais e o timing da Rio+20 conspira a favor do tema, a platéia quis ouvir mais do que os avanços sociais e econômicos que o governo porventura lidera. Energias renováveis, indicadores de desenvolvimento sustentável, recomendação de agenda para a Rio+20, fontes nucleares – tudo isso foi provocado ao co-criador do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
Sen, juntamente com Mahbub ul Haq, criou o IDH em 1993, ano a partir do qual o indicador vem sendo usado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) em seu relatório anual e aos poucos tornou-se referência mundial. Combina três indicadores-base: a esperança de vida à nascença, o rendimento e o nível de educação.
Ao ressaltar a conexão entre crescimento econômico e redução da pobreza em países pobres e emergentes, Sen reforçou: “quando falamos em crescimento econômico, temos de falar em desenvolvimento sustentável”. “Espero que isso esteja bem claro”. Se as Maldivas e parte da Holanda afundarem, se Bangladesh for acometida por desastres naturais, o crescimento, em vez de ajudar, expande a pobreza e a privação – exemplificou.
Nesse ponto do discurso, Sen procurou definir pobreza não só como escassez de renda, mas como privação da liberdade das pessoas: ao acessar recursos e oportunidades, ao mover-se livremente, ao participar da vida pública.
Como principal desafio nas questões ambientais, o economista elegeu a falta de acordos, de debate público. “Muitas mudanças serão viáveis somente se houver acordos, como no caso das emissões de gases de efeito estufa. A deficiência de debate sobre isso nos Estados Unidos, por exemplo, deve ser alvo de preocupação.”
Quando o Congresso brasileiro, democraticamente eleito, promove um retrocesso como o do Código Florestal em um momento em que a crise ambiental se mostra tão latente, e quando são apresentadas diversas alternativas viáveis para uma produção agrícola mais sustentável, feita de forma inteligente, é de se perguntar onde foram parar o debate, a democracia, a proeminência do Brasil na arena global que receberá representantes de todo o mundo, no Rio, em junho.
“A razão pela qual pareço otimista é porque acho que se pode mudar o destino, acredito na mudança humana”. Tento pensar nessa frase de Sen quando deixo a oponente Sala São Paulo, tão belamente construída, e atravesso as ruas da Luz em meio a um tecido social esgarçado, feito de tanta gente desamparada, procurando abrigo no breu, nas cracolândias, nas carroças de papéis catados.