A declaração final da Rio+20 deverá propor a integração de informações financeiras e de sustentabilidade nos relatórios corporativos
Uma das propostas incluídas no chamado Rascunho Zero da declaração final da Rio+20 trata da transparência das empresas sobre seus impactos socioambientais.
No item 24, o documento propõe a criação de uma política para que as grandes companhias passem a tratar a sustentabilidade de forma integrada, tanto na sua gestão quanto nos seus relatórios. A ideia vai além da publicação dos relatórios de sustentabilidade e responsabilidade social que já fazem parte da rotina corporativa.
Trata-se de explicitar as relações entre os aspectos econômicos, sociais e ambientais mais relevantes do negócio, preconiza o esboço das Nações Unidas para a declaração “O futuro que queremos”, prevista como único documento oficial do megaevento de junho.
“Questões ambientais cada vez mais apresentam riscos financeiros para empresas, investidores e credores”, aponta Janet Ranganathan, vice-presidente de ciência e pesquisa do Instituto de Recursos Mundiais (WRI, na sigla em inglês). Em sua avaliação, o atual padrão de contabilidade financeira está ultrapassado, visto que é incapaz de avaliar claramente riscos financeiros relacionados a aspectos socioambientais, sejam eles diretamente derivados do desempenho social, econômico e ambiental de uma empresa, sejam provocados por fatores como escassez de água, poluição e mudanças climáticas.
Janet participa de um grupo de trabalho do Conselho Internacional para Relatórios Integrados (IIRC na sigla em inglês), iniciativa que testa um modelo de relatório para “conectar os pontos” entre finanças, gestão, responsabilidade social e sustentabilidade. Cerca de 60 companhias foram convidadas no fim do ano passado a testar o modelo do IIRC, incluindo gigantes como Danone, Philips e Microsoft. Segundo a executiva do WRI, o objetivo é superar a justaposição de informações e apresentar esses diversos aspectos como um todo coerente.
Para Álvaro Almeida, diretor da Report Comunicação, as empresas brasileiras não estão preparadas para um cenário em que relatórios integrados sejam obrigatórios, uma vez que as próprias gestões financeira e socioambiental ainda operam separadamente. As mais avançadas fizeram seus inventários de carbono há cerca de cinco anos, mas poucas possuem inventários aprofundados de pegada hídrica e gestão de resíduos. “Elas estão aprendendo a contar seus impactos. Para fazer com que isso se transforme em valor tangível ou intangível há um processo longo a percorrer.” Com a experiência de diretor de uma das pioneiras no Brasil na elaboração de relatórios baseados no modelo da Global Reporting Initiative (GRI), Almeida prega uma evolução nas métricas utilizadas nos relatórios de sustentabilidade. “Definir de que maneira os dados socioambientais vão cruzar ou influenciar os indicadores de mercado é o caminho desta década”, acredita.
“As empresas brasileiras estão aumentando o grau de transparência de seus relatórios, mas a forma de relatar ainda é problemática”, observa Aerton Paiva, consultor em sustentabilidade da Gestão Origami. Não há unidades de medida capazes de mostrar a complexidade das relações entre as dimensões ambiental, social e econômica, o que impede até mesmo a comparação entre empresas ou entre a situação passada e a presente de uma companhia. Além disso, são as próprias empresas que escolhem os impactos a ser reportados e elas resistem em mostrar pontos críticos. “Nos Estados Unidos, por exemplo, há diversos riscos ambientais reportados ao órgão de controle do mercado de capitais que não constam ou são atenuados nos relatórios de sustentabilidade”, assinala Paiva.
O risco de perda de competitividade ao internalizar passivos socioambientais ou de mercado ao expor suas fragilidades leva muitos empresários a filtrarem as informações que tornam públicas. Mas especialistas em sustentabilidade acreditam que tal filtragem será cada vez mais difícil, e não só por conta de uma eventual obrigatoriedade de relatórios integrados. Janet, do IIRC, lembra que, com as atuais tecnologias, as denúncias de impactos ambientais podem ser rapidamente espalhadas pelo globo, mesmo nos lugares mais remotos. Assim, identificar e divulgar riscos, juntamente com informações sobre o que estão fazendo para enfrentar essas ameaças, pode ajudar as empresas a ganhar a confiança dos investidores e clientes e permanecer competitivas.
O caso Natura
A Natura publica seus relatórios de sustentabilidade desde 2000, quando a GRI foi lançada, e essas peças são consideradas modelo. O mais recente, divulgado em abril, apresentou o cálculo da pegada hídrica de toda a cadeia de produção, da extração ao pós-consumo.
Por sua experiência com a GRI, ela foi convidada a testar o primeiro modelo de relatório do Conselho Internacional para Relatórios Integrados (IIRC), cujos primeiros resultados deverão ser divulgados em outubro de 2013. “O desafio do relatório integrado é identificar as relações de causa e efeito entre as três dimensões da sustentabilidade”, aponta Rodolfo Guttilla, diretor de assuntos corporativos da empresa.