Para o pesquisador Robert Costanza, há mais entendimento de que valorar os serviços ambientais não significa colocá-los à venda. “A crise financeira global ajudou a abrir as mentes”, diz
Afinal, qual o valor dos serviços prestados pela natureza – e ignorados pela economia oficial, tema amplamente discutido na edição anterior da revista? Há exatos 15 anos, um time multinacional de pesquisadores, encabeçado por Robert Costanza, publicou um estudo seminal controvertido e citado à exaustão que estimava tais serviços em US$ 33 trilhões anuais – quase o dobro do PIB global da época. O grosso desse valor estava associado à conservação do solo (US$ 17 trilhões), seguido de bem longe por recreação, ciclo de nutrientes, regulação da água e do clima, entre outros. (Acesse no link)
Passada uma década e meia, o volume de informação disponível cresceu dramaticamente e foi consolidado pelo projeto Economia de Ecossistemas e Biodiversidade (Teeb, na sigla em inglês), uma iniciativa de vários países europeus interessados em mapear a inserção da biodiversidade na economia. O Teeb estima, por exemplo, que a Floresta Amazônica preste, sozinha, um serviço da ordem de US$ 1,5 trilhão a US$ 3 trilhões pela estocagem de carbono.
No estudo de Costanza, o sequestro de carbono por florestas tropicais nem entrou na conta, por falta de dados na época, mas o serviço global de manutenção da composição atmosférica havia sido estimado em mero US$ 1,3 trilhão. O próprio Costanza, um dos pioneiros da Economia Ecológica e hoje professor emérito de sustentabilidade da Portland State University, acha que, dadas as circunstâncias, tal valor foi bastante subestimado. “Vários acadêmicos estão tentando atualizar o trabalho à luz do Teeb”, diz à Página22.
Mais importante que o número exato é o mérito da discussão – que, nos anos 90, muitos consideravam sacrilégio, uma profanação do valor intrínseco da natureza. Segundo Costanza, a rejeição inicial enfrentada pelo conceito de valoração ambiental foi desaparecendo gradualmente. “Entre ambientalistas, sobretudo, havia essa ideia errada de que a valoração indica que aquele bem está sendo colocado à venda, o que não é verdade”, diz. “Valoração nada tem a ver com privatização ou mercantilização.”
Na sua opinião, a inserção dos serviços ambientais na economia é um fato – ainda que eles não recebam o devido valor. “Precisamos pensar diferentes modelos institucionais para monetizar esses bens”, diz, citando duas iniciativas que considera exemplares.
A primeira é o Fonafifo, uma parceria público-privada administrada pelo Ministério do Meio Ambiente da Costa Rica, que paga pelos serviços ambientais prestados por pequenos e médios proprietários de florestas nativas ou plantadas. Eles são remunerados, seja pela manutenção da cobertura vegetal, seja pela promoção do reflorestamento. O fundo é formado com parte dos impostos pagos pela comercialização de combustíveis, recursos do Banco Mundial, pagamentos pelo direito de uso de recursos hídricos, entre outros. “Ele funciona muito bem e conseguiu promover o reflorestamento do país e o ecoturismo”, diz.
Outro modelo é o do Alaska Permanent Fund, que recebe royalties da indústria do petróleo, os quais são então distribuídos à população. Vale lembrar que o setor movimenta boa parte da economia do Alasca e é responsável por um terço dos empregos do estado americano. Desde o início da distribuição dos dividendos, em 1982, cada família com quatro membros recebeu US$ 128 mil.
As empresas seguem por caminho semelhante e também começam a contabilizar suas externalidades ambientais. Para Costanza, um otimista declarado quanto à receptividade do mercado a esse conceito, “a crise financeira global ajudou a abrir as mentes para os custos que não são contabilizados hoje”. Ele dá o exemplo da indústria de roupas esportivas Puma, cujo conselho consultivo dirige, que decidiu fazer um mapeamento pioneiro do impacto financeiro de suas operações sobre os serviços prestados pelos ecossistemas. Para isso, contratou a Trucost, consultoria especializada na identificação dos riscos financeiros associados à dependência de recursos naturais.
Um primeiro relatório, divulgado pela empresa no ano passado, avaliou que seu impacto seria da ordem de 145 milhões de euros anuais, dos quais 94% desse custo ambiental foi atribuído à sua cadeia de fornecedores. O cálculo inclui os impactos associados a emissão de gasesestufa, consumo de água, remoção de vegetação para a produção de matériasprimas, poluição do ar e produção de resíduos. Quando divulgou o estudo, em novembro, o principal executivo da Puma, Jochen Zeitz, declarou que a iniciativa “é indispensável para que percebamos o imenso valor dos serviços prestados pela natureza e que hoje são menosprezados, mas sem os quais as empresas não poderiam se sustentar”. É uma conversa que, segundo Robert Costanza, começa a ser cada vez mais ouvida nos meios empresariais
*Jornalista especializada em meio ambiente
[:en]Para o pesquisador Robert Costanza, há mais entendimento de que valorar os serviços ambientais não significa colocá-los à venda. “A crise financeira global ajudou a abrir as mentes”, diz
Afinal, qual o valor dos serviços prestados pela natureza – e ignorados pela economia oficial, tema amplamente discutido na edição anterior da revista? Há exatos 15 anos, um time multinacional de pesquisadores, encabeçado por Robert Costanza, publicou um estudo seminal controvertido e citado à exaustão que estimava tais serviços em US$ 33 trilhões anuais – quase o dobro do PIB global da época. O grosso desse valor estava associado à conservação do solo (US$ 17 trilhões), seguido de bem longe por recreação, ciclo de nutrientes, regulação da água e do clima, entre outros. (Acesse no link)
Passada uma década e meia, o volume de informação disponível cresceu dramaticamente e foi consolidado pelo projeto Economia de Ecossistemas e Biodiversidade (Teeb, na sigla em inglês), uma iniciativa de vários países europeus interessados em mapear a inserção da biodiversidade na economia. O Teeb estima, por exemplo, que a Floresta Amazônica preste, sozinha, um serviço da ordem de US$ 1,5 trilhão a US$ 3 trilhões pela estocagem de carbono.
No estudo de Costanza, o sequestro de carbono por florestas tropicais nem entrou na conta, por falta de dados na época, mas o serviço global de manutenção da composição atmosférica havia sido estimado em mero US$ 1,3 trilhão. O próprio Costanza, um dos pioneiros da Economia Ecológica e hoje professor emérito de sustentabilidade da Portland State University, acha que, dadas as circunstâncias, tal valor foi bastante subestimado. “Vários acadêmicos estão tentando atualizar o trabalho à luz do Teeb”, diz à Página22.
Mais importante que o número exato é o mérito da discussão – que, nos anos 90, muitos consideravam sacrilégio, uma profanação do valor intrínseco da natureza. Segundo Costanza, a rejeição inicial enfrentada pelo conceito de valoração ambiental foi desaparecendo gradualmente. “Entre ambientalistas, sobretudo, havia essa ideia errada de que a valoração indica que aquele bem está sendo colocado à venda, o que não é verdade”, diz. “Valoração nada tem a ver com privatização ou mercantilização.”
Na sua opinião, a inserção dos serviços ambientais na economia é um fato – ainda que eles não recebam o devido valor. “Precisamos pensar diferentes modelos institucionais para monetizar esses bens”, diz, citando duas iniciativas que considera exemplares.
A primeira é o Fonafifo, uma parceria público-privada administrada pelo Ministério do Meio Ambiente da Costa Rica, que paga pelos serviços ambientais prestados por pequenos e médios proprietários de florestas nativas ou plantadas. Eles são remunerados, seja pela manutenção da cobertura vegetal, seja pela promoção do reflorestamento. O fundo é formado com parte dos impostos pagos pela comercialização de combustíveis, recursos do Banco Mundial, pagamentos pelo direito de uso de recursos hídricos, entre outros. “Ele funciona muito bem e conseguiu promover o reflorestamento do país e o ecoturismo”, diz.
Outro modelo é o do Alaska Permanent Fund, que recebe royalties da indústria do petróleo, os quais são então distribuídos à população. Vale lembrar que o setor movimenta boa parte da economia do Alasca e é responsável por um terço dos empregos do estado americano. Desde o início da distribuição dos dividendos, em 1982, cada família com quatro membros recebeu US$ 128 mil.
As empresas seguem por caminho semelhante e também começam a contabilizar suas externalidades ambientais. Para Costanza, um otimista declarado quanto à receptividade do mercado a esse conceito, “a crise financeira global ajudou a abrir as mentes para os custos que não são contabilizados hoje”. Ele dá o exemplo da indústria de roupas esportivas Puma, cujo conselho consultivo dirige, que decidiu fazer um mapeamento pioneiro do impacto financeiro de suas operações sobre os serviços prestados pelos ecossistemas. Para isso, contratou a Trucost, consultoria especializada na identificação dos riscos financeiros associados à dependência de recursos naturais.
Um primeiro relatório, divulgado pela empresa no ano passado, avaliou que seu impacto seria da ordem de 145 milhões de euros anuais, dos quais 94% desse custo ambiental foi atribuído à sua cadeia de fornecedores. O cálculo inclui os impactos associados a emissão de gasesestufa, consumo de água, remoção de vegetação para a produção de matériasprimas, poluição do ar e produção de resíduos. Quando divulgou o estudo, em novembro, o principal executivo da Puma, Jochen Zeitz, declarou que a iniciativa “é indispensável para que percebamos o imenso valor dos serviços prestados pela natureza e que hoje são menosprezados, mas sem os quais as empresas não poderiam se sustentar”. É uma conversa que, segundo Robert Costanza, começa a ser cada vez mais ouvida nos meios empresariais
*Jornalista especializada em meio ambiente