Relatório mostra que, desde 1992, aumentou o número de leis que garantem a posse de terra para populações tradicionais. Isso não significou, no entanto, aplicação na prática
Na Indonésia, os direitos dos povos indígenas sobre a posse de terras são reconhecidos por lei. Só que, ao mesmo tempo, segundo a Constituição, todos os recursos naturais pertencem ao Estado Nacional. Em Moçambique, para que populações tradicionais consigam concessões para usar a terra que por lei é deles, devem apresentar seis cópias de um mapa topográfico com detalhes das características geográficas da região.
Esses exemplos mostram como, mesmo com o aumento de leis que dão direito a povos tradicionais sobre os territórios, algumas nações ainda apresentam entraves para que comunidades exerçam tais direitos. O resultado é que, na Indonésia, milhões de pessoas em vilas e aldeias são posseiros de suas próprias terras. Em Moçambique, nenhuma concessão foi dada mesmo depois de dez anos da aprovação da lei sobre o assunto. E esses são apenas dois exemplos entre muitos.
As informações são resultado de uma pesquisa inédita feita pela Iniciativa para Direitos e Recursos (RRI, da sigla em inglês), uma coalizão de organizações internacionais, regionais e comunitárias sobre políticas e mercados relacionados às florestas. O estudo trata de 27 países em desenvolvimento, detentores da maior cobertura florestal do mundo.
Foi identificada uma tendência global, iniciada em 1992, logo após a Rio 92. O encontro entre nações promovidos pela ONU, no Rio de Janeiro, impulsionou lideranças indígenas e comunitárias a pressionaros governos para obter direitos às suas tradicionais terras. De vinte anos para cá, a área sob o controle dos povos de floresta em países em desenvolvimento aumentou de 12% para 31%. O estudo identificou 59 sistemas de reconhecimento desse direitos: 17 na África, 17 na Ásia e 25 na América Latina. 51 deles foram estabelecidos depois de 1992.
O RRI, no entanto, aponta que as autoridades nacionais e estaduais deixam de fiscalizar as leis que deveriam proteger os direitos à posse da terra dos povos da floresta. O relatório afirma que, na América Latina – que teve grandes avanços em relação à transferência de direitos – os altos preços das commodities faz com que o estado e a iniciativa privada “atropelem” esses direitos, já que as terras são muito valiosas.
A questão mais delicada é que em 21 dos regimes identificados não há impedimentos para que pessoas que não são parte das comunidades tradicionais se apropriarem das terras.
O aumento de terras sob domínio das populações tradicionais apresentam benefícios. Um estudo do Banco Mundial estima que a incidência de incêndios florestais foi reduzida para um quinto ou menos nas florestas protegidas ou controladas por povos indígenas, em comparação às administradas pelo estado. Outros estudos no Nepal mostram que o controle da comunidade leva a um aumento, tanto na área de floresta, como na densidade arbórea.
“Se estas leis conseguirem sair do papel, bilhões de hectares e milhões de pessoas teriam acesso a uma das ferramentas mais efetivas disponíveis para a erradicação da pobreza e a conservação de recursos limitados”, disse Andy White, coordenador do RRI. “Pesquisas anteriores da RRI e outras mostraram que, quando seus direitos são reconhecidos, as comunidades de floresta são protetores tão bons ou ainda melhores do que os governos e a indústria”.