No fim de abril, a empresa Georadar iniciou as buscas por reservas de gás natural e petróleo no Vale do Juruá, no Acre. A população indígena da região, no entanto, desaprovou a novidade. Eles publicaram uma carta apontando que seus direitos estão ameaçados e que não foram ouvidos antes do início dos estudos.
O documento é assinado por representantes de nove povos, quatro associações e 12 terras indígenas (TI) e é dirigido à Agência Nacional de Petróleo (ANP), ao Governo do Estado do Acre e à Georadar. Como base de defesa, estão trechos da Constituição Federal que reconhecem aos índios “os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. A pesquisa e a exploração de recursos hídricos nessas áreas, incluindo os potenciais energéticos, só podem ser efetivadas com autorização do Congresso Nacional e depois de as comunidades serem consultadas.
Parte do processo dos estudos de prospecção será feito com perfurações de quatro metros de profundidade no solo. Lá serão colocados explosivos que emitem ondas sísmicas e mostram locais com potencial de exploração. Segundo a carta, o mapa da Georadar mostra que essas ondas sísmicas estarão próximas às Terras Indígenas Campinas-Katukina, Poyanawa, Jaminawa do Igarapé Preto, Arara do Igarapé Humaitá e ao Parque Nacional da Serra do Divisor. Isso poderá gerar “impactos ambientais, sociais e culturais, diretos e indiretos, nos territórios, nas populações indígenas e populações tradicionais”, afirmam.
Os signatários também estão preocupados com os cerca de 400 trabalhadores que deverão chegar à região. Os forasteiros devem aumentar a demanda por recursos naturais, a geração de resíduos e ameaçam a limpeza dos rios. Diante de tantos problemas, eles reivindicam o fortalecimento das formas de representação dos povos indígenas, além de benefícios sociais, como a implantação de mais projetos de saúde e educação. Leia a íntegra da carta:
Carta Declaratória sobre a Prospecção e Exploração de Petróleo e Gás no Juruá
Reunidos na cidade de Cruzeiro do Sul durante o Seminário “Petróleo, Gás e Ferrovia no Juruá: Desafios e Oportunidades para as Comunidades”, no dia 14 de abril de 2012, nós, representantes de 09 povos, 12 Terras Indígenas e 04 associações indígenas, por intermédio desta carta, apresentamos alguns pontos que entendemos são de extrema urgência e de importância para serem considerados e tratados pela Presidente da República, a Agência Nacional de Petróleo, o Governo do Estado do Acre e demais instituições envolvidas.
É de nosso conhecimento que as atividades de prospecção de petróleo e gás estão ocorrendo na região do Juruá, especificamente nos Municípios de Cruzeiro do Sul, Mâncio Lima, Rodrigues Alves, Porto Walter e Marechal Taumaturgo, sem os informes e os esclarecimentos necessários para salvaguarda da população e do meio ambiente da região, caso venha acontecer algum prejuízo.
Nós percebemos que até o momento vem acontecendo reuniões e encontros políticos que tratam sobre esses grandes projetos de desenvolvimento. Não foram consideradas, contudo, as reuniões de informação e de consulta com a população da região, que seriam de extrema importância para discutir os riscos e benefícios de forma bem transparente.
De acordo com o mapa de linhas sísmicas da empresa Georadar, a atividade chegará próxima às Terras Indígenas Campinas-Katukina, Poyanawa, Jaminawa do Igarapé Preto e Arara do Igarapé Humaitá, além do Parque Nacional da Serra do Divisor, podendo ocasionar impactos ambientais, sociais e culturais, diretos e indiretos, nos territórios, nas populações indígenas e populações tradicionais.
Cientes dos direitos aos nossos territórios e a processos de Consulta Livre, Previa e Informada, com base no Artigo 231 da Constituição Federal: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar seus bens”, e no seu inciso 3: “O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivadas com autorização do Congresso Nacional, e ouvidas às comunidades.”, nós, lideranças presentes no seminário acima citado, consideramos alguns pontos que podem afetar diretamente os territórios das populações tradicionais da região:
- Se confirmada a existência de petróleo e gás na terceira fase da prospecção, a do levantamento sísmico, na próxima etapa de exploração podem ocorrer impactos em nossas comunidades e territórios, situação que nos preocupa muito, por que vem contrariar a gestão territorial e ambiental nas terras indígenas e as recomendações do Zoneamento Ecológico Econômico do Estado do Acre;
- Este processo reforça as ameaças aos direitos indígenas e reforça um modelo de desenvolvimento que ameaça a cultura dos povos indígenas, como por exemplo, a criação de dependência das comunidades a novas necessidades.
- Durante 10 meses, a empresa Georadar vai contratar cerca de 400 pessoas da região para trabalhar como mão de obra nas picadas. Esta quantidade de pessoas vai ficar acampada, tendo que abrir clareiras e picadas, criando impactos muito grandes sobre os animais que constitui a principal alimentação dos moradores da floresta. Esses trabalhadores vão criar uma grande movimentação fluvial e terrestre, que pode ocasionar poluição dos rios, afetando a saúde da população local. Estamos preocupados, ainda, com os impactos sociais que a presença dessa quantidade de homens pode causar nas comunidades e mesmo nas cidades onde funcionarão os acampamentos.
- Temos o direito de sermos informados sobre os locais onde estão ocorrendo às atividades de prospecção de petróleo e gás e, também, devemos saber como estes processos estarão sendo feitos. Uma política de informação deve ser desenvolvida nas comunidades da região, para alertá-las dos trabalhos que serão realizados e dos riscos que estes envolvem.
- Não precisamos de assistencialismo, mas queremos benefícios, através de projetos de saúde de qualidade, de educação, de produção sustentável e do fortalecimento da nossa organização social e cultural nas nossas terras e de nossas organizações de representação.
- Para além das medidas já previstas no Plano de Controle Ambiental e na licença concedida pelo IBAMA, temos direito, como parte de um processo de consulta livre, prévia e informada, de debater as formas de compensação e repartição de benefícios dos empreendimentos ligados ao desenvolvimento regional.
- Requeremos que os órgãos ambientais (IBAMA, ICMBio, SEMA e IMAC) e os Ministérios Públicos Federal e Estadual façam respeitar a legislação e as salvaguardas ambientais relativas à prospecção e à exploração de petróleo e gás, socializando e divulgando os relatórios relativos às fiscalizações e ao cumprimento dos condicionantes do licenciamento.
- Rejeitamos possíveis mudanças na legislação, na regulamentação da lei de mineração no Congresso Nacional, que vise abrir as terras indígenas à prospecção e à exploração de petróleo e gás, por que vai contra os direitos indígenas, consagrados na Constituição Federal e nas convenções internacionais (Convenção 169 da OIT e Declaração dos Direitos Indígenas da ONU).
Cruzeiro do Sul – Acre, 14 de Abril de 2012
Assinam esta carta
Organização dos Professores indígenas do Acre (OPIAC)
Associação Apiwtxa do Rio Amônea
Associação do Povo Arara do Igarapé Humaitá – APAIH
Associação do Povo Indígena Nukini da Republica – AIN
E representantes das Terras Indígenas
Nukini
Kaxinawá do Rio Jordão
Campinas/Katukina
Kaxinawá da Praia do Carapanã
Rio Gregório
Kaxinawá/Ashaninka do rio Breu
Cabeceira do Rio Acre
Arara do Igarapé Humaitá