Recorrer a combustíveis fósseis é servir-se de resíduos de ciclos químicos com vida curta, do ponto de vista geológico e astronômico. Mas até o uso da energia do Sol traz problemas
A ONU escolheu 2012 como o Ano Internacional da Energia Sustentável para Todos. A astrobiologia – o estudo da vida no universo – tem muito a dizer a respeito, pois, em suas estratégias de busca de vida em outros mundos, concentra-se em determinar quais são os estados de longa duração das biosferas, o que exige uma teoria da sustentabilidade. Em alinhamento com a proposta da ONU, inaugurou-se em abril de 2012, no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP, o Painel sobre Astrobiologia, Energia e Sustentabilidade, dentro da disciplina “A Vida no Contexto Cósmico”.
Durante o painel, estabeleceu-se um diálogo entre os objetivos do Ano Internacional – acesso universal à energia, eficiência energética e energias renováveis – e os eixos de pesquisa astrobiológica.
“Faça tudo tão simples quanto possível, mas não mais do que isto.” Estas palavras de Einstein podem ser parafraseadas em relação à vida, como “tudo o mais econômico possível, mas não mais do que isto”. Em qualquer consideração sobre sustentabilidade, deve-se lembrar que a vida exige muita energia para se sustentar. A vida contraria a tendência universal do aumento da entropia, gera uma entropia negativa, ou negentropia, como enfatizou um dos pais da física quântica, Erwin Schrödinger, no seu clássico O Que É a Vida?, de 1944.
Mas, para manter a negentropia da vida, é necessário um aporte continuado de matéria e energia. A sustentabilidade seria, então, o conjunto de modos de se manter a complexidade da vida através das gerações, confrontando o aumento universal da entropia. Por sua vez, isso implica ciclos renováveis de energia, o que aproxima o tema da “renovabilidade” ao da “habitabilidade”, ou seja, a identificação no Universo de locais onde a vida possa surgir, evoluir e sobreviver.
A habitabilidade exige que a demanda biológica de energia seja satisfeita pelo ambiente. A energia química que a vida armazena tem de ser continuamente renovada por fontes de energia muito mais duradouras. Na Terra, há uma fonte evidente de energia duradoura, a luz solar. Darwin percebera que o lento processo de especiação da sua Teoria da Evolução demandava muitos milhões de anos. Através do cálculo da taxa de desgaste do Weald (um grande vale no Sul da Inglaterra), determinou uma idade de 300 milhões de anos para essa estrutura, implicando uma idade mínima para a Terra e para o Sol.
Em planetas fora do Sistema Solar, o “sol” é a estrela central do sistema planetário. A vida requer energia livre, ou seja, uma diferença de temperatura para que haja o fluxo de energia, e o brilho abrasador das estrelas é a fonte básica de energia livre do Universo. Podemos dizer que a luz é o alimento primordial da vida. A energia química é só uma forma provisória de armazenagem de energia. Se todo o Sol fosse feito de carvão, ele brilharia por 4 mil anos. Ocorre que sua fonte de energia é outra: a energia nuclear, convertendo hidrogênio em hélio na sua região central. Assim, consumindo apenas 10% de sua massa, o Sol brilha por 11 bilhões de anos.
Quando recorremos a combustíveis fósseis, servimo-nos de resíduos de ciclos químicos com vida curta, do ponto de vista geológico e astronômico. Ao nos voltarmos para a energia solar, estamos indo diretamente à fonte mais importante de energia para a vida. A demanda mundial de energia é de 15 terawatts. Uma fração mínima de toda a energia solar incidente na Terra, 175 mil terawatts. Contudo, mesmo a energia solar tem problemas.
Esta – nas suas formas eólica e de biomassa, e fotovoltaica – é o modo de geração de energia que exige maiores extensões de solo [1]. Ocorre que, em estudos sobre os limites da Terra em relação à pressão humana, o limiar mais gravemente transgredido é o da perda da biodiversidade, com uma taxa de extinção de espécies cem a mil vezes superior ao nível pré-industrial [2]. E o limiar da perda da biodiversidade correlaciona-se fortemente com o do uso do solo. Pelas grandes áreas que demanda, usar a energia solar para suprir o consumo de energia da Terra pode representar uma séria ameaça à biodiversidade.
[1] Mais em: Cho, Adrian, 2010. Energy’s Tricky Tradeoffs. Science, 329, p. 786-7
[2] Mais em: Rockström, J.,et al. A safe operating space for humanity, Nature, 461, p. 472-5, 2009
Assim, há tempos se elaboram planos para geração de energia solar no espaço. Fora da atmosfera, os painéis solares receberiam 100% da energia que atinge a Terra (cerca de 55% da potência solar no espaço chega ao solo). Desse modo, seriam preservadas as paisagens na Terra. Um problema é que se o consumo terrestre de eletricidade continuar em aceleração (em 2010, houve um aumento de 5,6%), teríamos um telhado de painéis solares acima de nós. Esperemos que não cheguemos ao extremo das “esferas de Dyson”, em que uma civilização acaba por envolver o sol do seu sistema planetário com uma casca de fotorreceptores para sugar totalmente a sua energia. Como até agora não observamos nada parecido na Galáxia, parece que nenhuma civilização extraterrestre foi tão estúpida.
*Astrofísico e pesquisador do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP