Mecanismos para bancar a transição rumo à economia verde até existem. O difícil tem sido sair da escala-piloto
“Falta quem pague! Qualquer mecanismo de pagamento implica alguém pagar e as pessoas não estão dispostas”, exaspera-se Carlos Eduardo Frickmann Young, ao explicar a contradição que tem impedido os esquemas de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) de decolarem. A análise do professor do Instituto de Economia da UFRJ vem carregada de ceticismo. Para ele, enquanto não houver vontade política para que o PSA [1] seja obrigatório, dificilmente chegaremos a algum lugar. “Enquanto for voluntário, isso será o máximo que vamos conseguir”, afirma.
[1] O PSA baseia-se no reconhecimento de que os ecossistemas produzem uma série de “serviços” economicamente valiosos – como proteger solos contra a erosão ou regular os regimes de chuva – e busca estabelecer meios para que os usuários desses serviços remunerem seus produtores. A ideia é que o desmatamento e a degradação de rios e lagos diminuam à medida que a conservação torna-se financeiramente rentável
O xis da questão é ganhar escala. Segundo o gerente de fundos de água da The Nature Conservancy (TNC), Fernando Veiga, há um bom grau de sofisticação no debates. “Há alguns anos, quando fazia uma apresentação, tinha de explicar o que são serviços ambientais. Hoje, posso pular essa parte”, comemora. O que tem sido realmente complicado é sair da escala-piloto. “Estamos correndo contra o tempo. Hoje, trabalhamos com centenas de hectares, precisamos chegar aos milhares e, depois, aos milhões”, prossegue.
Para Young, não tem sido fácil, especialmente por conta da turbulência econômica. “Havia muito otimismo com a criação de um mercado mundial de carbono, por meio do qual os serviços ambientais poderiam se expandir. Mas aí veio a crise e houve uma estagnação”, diz.
É emblemático o impasse no qual as negociações do mecanismo de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (Redd) [2] caíram. Segundo o pesquisador sênior do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam), Mariano Cenamo, o nó é que os países ricos hesitam em assumir metas mais ousadas de cortes em suas emissões. “Sem metas, você não cria demanda e não tem como vender créditos”, resume.
[2] O Redd foi concebido na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. A ideia é que os países desenvolvidos poderiam cumprir parte de suas metas de redução nas emissões de carbono, comprando créditos gerados por projetos de conservação florestal em países em desenvolvimento. A previsão da ONU era de que esse mercado teria potencial para movimentar US$ 30 bilhões ao ano
Isso não significa que tudo esteja parado. O pesquisador diz que alguns países têm definido metas nacionais – o Japão, a Austrália e o próprio Brasil estão entre esses pioneiros. Mas, sem adesão em massa, os resultados são tímidos. “A regulamentação internacional poderia transformar os créditos de carbono em commodity”, assinala.
Um levantamento recém-finalizado, conduzido pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV (GVces) e pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), procurou mapear o marco regulatório sobre PSA no Brasil. Nada menos que 25 iniciativas foram reveladas na forma de leis ou decretos estaduais e federais. O problema é que elas ainda estão predominantemente sob as asas do poder público. “O que predomina são os fundos estaduais. Iniciativas de mercado são exceção”, comenta o pesquisador do GVces Guarany Osório.
No estado de São Paulo, por exemplo, 0,5% do ICMS é repartido entre cidades que tenham unidades de conservação (UCs) – programa ICMS Ecológico. Embora a medida não seja oficialmente um projeto de PSA, a assessora técnica da Secretaria Estadual do Meio Ambiente Denize Cavalcanti informa que os repasses são significativos o suficiente para que alguns municípios tentem emplacar a criação de UCs.
A TNC trabalha desde 2005 na elaboração de programas de PSA. Segundo Fernando Veiga, há diversas iniciativas que estão “caminhando relativamente bem”, mas a falta de definição em patamar nacional tem-se tornado uma barreira. “Ainda não existe definição de quais impostos incidem sobre a renda dos produtores de serviços ambientais. Isso depende de uma lei federal”, reclama, acrescentando que esse é o tipo de detalhe fundamental para que os programas deslanchem. Para Veiga, pode até ser que haja uma demanda reprimida.
Segundo ele, muitas empresas estão conscientes de que faria sentido investir em serviços ambientais. Operadoras do sistema de fornecimento de água, por exemplo, podem reduzir seus custos de tratamento melhorando a qualidade da água captada. “Algumas empresas têm uma avaliação extremamente sofisticada a respeito dos recursos hídricos e percebem os riscos ambientais relacionados. Para elas, seria mais fácil investir em conservação do que precisar fechar uma unidade por falta de água”, avalia.
Ferramenta efetiva
Os esquemas de PSA não esgotam os instrumentos capazes de acelerar a economia verde. O coordenador de políticas públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), André Lima, lembra que subsídios tributários (como a renúncia fiscal) estão entre as ferramentas mais efetivas dos governos. “Diferentemente do crédito, que é reembolsável, ao dar uma isenção tributária o governo abre mão de um recurso para incentivar determinadas atividades”, explica.
É por isso que o Ipam está iniciando um trabalho com o intuito de usar a Lei de Acesso à Informação – aprovada em novembro – para forçar a Receita Federal a fornecer dados detalhados sobre o destino dos incentivos. “O que você tem hoje são informações muito genéricas. Sabemos que, nos últimos cinco anos, o setor agrícola recebeu R$ 40 bilhões e o industrial, R$ 100 bilhões. A ideia é descobrir se isso seguiu algum critério ambiental”, informa.
Young, da UFRJ, vê as iniciativas existentes como esforços isolados incapazes de provocar o movimento necessário . “Não existe uma centralização nos esforços e não vejo uma agenda objetiva na Rio+20”, critica. Para Cenamo, do Idesam, estamos deixando passar uma oportunidade para inverter a lógica econômica vigente. “Você tem uma demanda mundial crescente por produtos oriundos do desmatamento, como a carne e a soja. Precisamos catalisar uma economia florestal”, arremata.