Cresce a busca por métricas que contemplem fatores de desenvolvimento que vão muito além do econômico. O desafio é ganharem legitimidade
É praticamente consenso entre os Estados-membros das Nações Unidas que participam da Rio+20 a necessidade de buscar novas medidas de bem-estar e desenvolvimento sustentável, dada a limitação do Produto Interno Bruto para atender a esses fins. O PIB, aliás, nunca teve tal atribuição, servindo apenas como medidor do crescimento econômico de uma determinada região.
O assunto foi colocado nos rascunhos do documento oficial e levantado pelo coordenador-executivo da Rio+20, o embaixador francês Brice Lalonde. Para Lalonde, a Conferência será um sucesso se produzir um mandado para que a ONU apresente, em um prazo de três anos, um indicador alternativo ou complementar que integre as dimensões econômica, ambiental e social, e seja usado por todos os países para a formulação de políticas públicas e direcionamento do setor privado nas decisões de investimento.
Embora o PIB ainda seja a medida central usada pelos países desde a Segunda Guerra Mundial (começou como medida da produção bélica), sua primazia deixou de ser um consenso. Estudos e propostas de novos indicadores apontam para a necessidade de se usar métricas mais completas para um mundo mais complexo.
Ao ser criado, na década de 1940 – quando a perda de estoque dos recursos naturais e a escala da atividade humana no planeta era muito menor –, seu objetivo era apenas o de contabilizar o crescimento do que foi produzido em termos de bens e serviços, sem distinguir entre o que era benéfico ou não para a sociedade ou para o meio ambiente. Como explica o economista Ladislau Dowbor, professor da PUC de São Paulo, a importância era dada à intensidade do sistema produtivo, sem a distinção da utilidade do que se produz, para quem, e com que custos para o estoque de bens naturais do planeta.
Na rotina diária, por exemplo, a produção de veículos eleva o PIB, mas o indicador não subtrai de seu cálculo os efeitos perversos da poluição e dos engarrafamentos no meio ambiente, na saúde humana e na própria economia, como perdas de horas de trabalho.
A rigor, a necessidade de ir além do PIB começou a ser percebida muito antes da Rio+20. Na Cúpula da Terra no Rio de Janeiro, em 1992, elas já foram levantadas, inclusive na Agenda 21, e o assunto voltou à baila em debates posteriores.
Em 2007, por exemplo, o Parlamento Europeu abordou o assunto e deu início a um grande movimento, com apoio da Comissão Europeia, do Clube de Roma e da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), além do WWF, denominado Beyond GDP (ou Além do PIB). A intenção era a de encontrar instrumentos mais eficientes para medir o progresso, a riqueza e o nível de bem-estar dos países. Índices que também levassem em conta assuntos como saúde, pobreza, mudanças climáticas e dilapidação dos recursos naturais.
Logo depois, o então presidente francês Nicolas Sarkozy nomeou dois prêmios Nobel de Economia – Joseph Stiglitz e Amartya Sen – para pensarem sobre o assunto. Tanto o estudo por eles apresentado em 2009 como o trabalho sobre economia verde publicado em 2011 pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) apontam os limites do PIB e pedem novas medidas que levem em conta indicadores sociais e ambientais. Durante esse tempo, outros indicadores surgiram, como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU, publicado pela primeira vez em 1980, que tem como parâmetros a distribuição de renda, a educação (taxas de alfabetização e frequência) e a expectativa de vida (resultado dos indicadores de saúde e salubridade).
O IDH agrega ao cálculo do PIB alguns fatores de bem-estar, mas ainda não é suficiente. Com o tempo, outros índices foram criados, como o Better Life Index, lançado em maio de 2011 pela OCDE e atualmente avaliado em 36 países, também focado em qualidade de vida. Ele leva em conta dados sobre habitação, ambiente, saúde, satisfação com a vida, segurança e equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, alguns por meio de sondagens com a população. Outro índice, como o Happy Planet Index, lançado em 2006 pela The New Economics Foundation, de Londres, avalia a eficiência ecológica com que os países proporcionam bem-estar a seus cidadãos.
Mas o mais conhecido, pela curiosidade de ter sido adotado pelo reino do Butão, na Ásia, é o índice da Felicidade Interna Bruta (FIB), que teve seu primeiro projeto-piloto executado em 2006 e mede variáveis subjetivas como bem-estar psicológico, uso do tempo, diversidade e resiliência cultural e ecológica e padrões de vida. No Brasil, a FGV-Eaesp iniciou estudos para elaborar a metodologia de um novo índice com o objetivo de fornecer os resultados ao governo federal e auxiliar no desenvolvimento de políticas públicas.
“São muitos dados subjetivos que variam para cada estado e município”, afirma Fábio Gallo, professor de Finanças da Eaesp que, ao lado de Wesley Mendes, coordena a iniciativa. De acordo com Gallo, o estudo tem inspirações em diversas métricas mundiais, inclusive no FIB, mas a metodologia será própria.
Na opinião de José Eli da Veiga, professor dos programas de pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP e estudioso do tema, nenhuma das metodologias já adotadas ou em estudo pelos países tem condições de se legitimar na Conferência.
Veiga acredita que há mais chance de a Rio+20 reforçar a proposta da pegada ecológica, adicionada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), mas não de forma geral. “Haverá um índice específico para carbono, outro para água, nitrogênio e eventualmente biodiversidade”, afirma. A pegada ecológica é atualmente usada como um indicador de sustentabilidade ambiental para gerenciar os recursos consumidos e os desperdícios causados pela atividade humana.