Entrevistei Elinor Ostrom para a revista Brasil Sustentável em março de 2010, um par de meses após o anúncio de que ela era a primeira mulher contemplada com o Nobel da Economia por seu trabalho sobre a gestão de bens comuns, como a água e os estoques pesqueiros. Lembro que discuti a conversa e o trabalho da doutora Ostrom com um amigo na mesma noite, focando na sua constatação de que as comunidades vizinhas muitas vezes administram esses bens com mais eficácia e sabedoria do que governos centralizados. Ele respondeu: mas isso não é óbvio?
Não, isso não é óbvio. A história do século XX é recheada de desastres ambientais derivados de canetadas de governos federais, que concebiam projetos sem um mínimo de sustentabilidade e sem consultar as comunidades locais.
Durante décadas, prevaleceu a teoria da Tragédia dos Comuns – a de que a intervenção do governo é essencial para que um bem com direitos difusos não seja excessivamente consumido. Ostrom, que morreu de câncer na semana passada, ativa, acompanhando à distância os preparativos da Rio+20, demonstrou o contrário: decisões de cima para baixo podem ser arbitrárias e contra-producentes, enquanto as comunidades e associações locais tendem a tomar decisões mais justas e acertadas. Ela não fez um mero exercício teórico. Realizou uma série de projetos experimentais e um extenso levantamento de dados colhidos em vários países. Ela estudou, por exemplo, a evolução de comunidades de pescadores da Costa Leste dos Estados Unidos; comparou áreas coletivizadas da China e da Rússia, com os campos cultivados por tribos da Mongólia, que seguem um ordenamento comunitário tradicional e que são muito mais produtivos; estudou a gestão dos sistemas de irrigação das aldeias do Nepal.
Também investigou porque certos parques nacionais da Guatemala administrados pelo governo federal floresciam, com a distribuição dos ingressos do turismo aos vilarejos vizinhos, enquanto aqueles que optaram por uma gestão que excluia as populações locais viam a sua cobertura vegetal minguar. A diferença estava, justamente, no engajamento das comunidades próximas, que percebiam as vantagens de se manter aquelas unidades de conservação
Mas nem todas as populações estariam fadadas a serem boas administradoras de seus recursos naturais. Ostrom ponderava que a diversidade ecológica e o tamanho do sistema em questão, bem como o número de pessoas envolvidas, o conhecimento disponível e a auto-confiança do grupo eram variáveis importantes.
Não se trata de um modelo ou de outro, só governo ou só comunidade, só instituições grandes ou pequenas. O segredo está no desenvolvimento de escalas de diversos portes, diferentes formatos, que podem trabalhar juntos”, disse a pesquisadora durante a entrevista. “Eu insisto na importância da diversidade. Todos nos preocupamos com a conservação da biodiversidade, mas se você destruir a diversidade institucional em meio ao esforço de promover a diversidade biológica, não conseguirá nada. […]
Se visitarmos uma região que foi governada por um poder central durante 50 anos, talvez ainda encontremos algumas pessoas mais velhas que se lembrarão de parte do antigo modelo de gestão, mas não se lembrarão de tudo. É o mesmo que ocorre quando perdemos uma língua. Nós estamos perdendo os agentes de conhecimento institucional.
No limite, Elinor Ostrom foi uma das grandes proponentes da democratização da gestão dos recursos naturais. Que o seu espírito paire sobre os delegados internacionais reunidos no Rio.[:en]
Entrevistei Elinor Ostrom para a revista Brasil Sustentável em março de 2010, um par de meses após o anúncio de que ela era a primeira mulher contemplada com o Nobel da Economia por seu trabalho sobre a gestão de bens comuns, como a água e os estoques pesqueiros. Lembro que discuti a conversa e o trabalho da doutora Ostrom com um amigo na mesma noite, focando na sua constatação de que as comunidades vizinhas muitas vezes administram esses bens com mais eficácia e sabedoria do que governos centralizados. Ele respondeu: mas isso não é óbvio?
Não, isso não é óbvio. A história do século XX é recheada de desastres ambientais derivados de canetadas de governos federais, que concebiam projetos sem um mínimo de sustentabilidade e sem consultar as comunidades locais.
Durante décadas, prevaleceu a teoria da Tragédia dos Comuns – a de que a intervenção do governo é essencial para que um bem com direitos difusos não seja excessivamente consumido. Ostrom, que morreu de câncer na semana passada, ativa, acompanhando à distância os preparativos da Rio+20, demonstrou o contrário: decisões de cima para baixo podem ser arbitrárias e contra-producentes, enquanto as comunidades e associações locais tendem a tomar decisões mais justas e acertadas. Ela não fez um mero exercício teórico. Realizou uma série de projetos experimentais e um extenso levantamento de dados colhidos em vários países. Ela estudou, por exemplo, a evolução de comunidades de pescadores da Costa Leste dos Estados Unidos; comparou áreas coletivizadas da China e da Rússia, com os campos cultivados por tribos da Mongólia, que seguem um ordenamento comunitário tradicional e que são muito mais produtivos; estudou a gestão dos sistemas de irrigação das aldeias do Nepal.
Também investigou porque certos parques nacionais da Guatemala administrados pelo governo federal floresciam, com a distribuição dos ingressos do turismo aos vilarejos vizinhos, enquanto aqueles que optaram por uma gestão que excluia as populações locais viam a sua cobertura vegetal minguar. A diferença estava, justamente, no engajamento das comunidades próximas, que percebiam as vantagens de se manter aquelas unidades de conservação
Mas nem todas as populações estariam fadadas a serem boas administradoras de seus recursos naturais. Ostrom ponderava que a diversidade ecológica e o tamanho do sistema em questão, bem como o número de pessoas envolvidas, o conhecimento disponível e a auto-confiança do grupo eram variáveis importantes.
Não se trata de um modelo ou de outro, só governo ou só comunidade, só instituições grandes ou pequenas. O segredo está no desenvolvimento de escalas de diversos portes, diferentes formatos, que podem trabalhar juntos”, disse a pesquisadora durante a entrevista. “Eu insisto na importância da diversidade. Todos nos preocupamos com a conservação da biodiversidade, mas se você destruir a diversidade institucional em meio ao esforço de promover a diversidade biológica, não conseguirá nada. […]
Se visitarmos uma região que foi governada por um poder central durante 50 anos, talvez ainda encontremos algumas pessoas mais velhas que se lembrarão de parte do antigo modelo de gestão, mas não se lembrarão de tudo. É o mesmo que ocorre quando perdemos uma língua. Nós estamos perdendo os agentes de conhecimento institucional.
No limite, Elinor Ostrom foi uma das grandes proponentes da democratização da gestão dos recursos naturais. Que o seu espírito paire sobre os delegados internacionais reunidos no Rio.