A agricultura urbana talvez seja um das arenas onde a briga entre o velho sistema e as mudanças necessárias para instaurar uma nova forma de viver está mais aparente. Enquanto projetos inovadores para produzir alimentos criam raízes em algumas das capitais americanas, nas pequenas cidades quem quer usar seu jardim para cultivar ainda precisa lutar.
É o caso de Karl Tricamo, residente de Ferguson, no estado de Missouri, que travou batalha por meses com a prefeitura da cidade. Em março ele começou a transformar a pequena área na frente da residência que aluga em uma horta orgânica.
“Coloquei uma fileira de flores e amaranto ornamental ao longo da calçada. Pus ervas exuberantes a leste, abóboras e melões a oeste. No meio, fileiras de feijão, vários pimentões, e mais de uma dúzia de tomates diferentes”, conta Karl em seu blog. “Mais perto da casa, duas pequenas áreas de milho, mescladas com feijão, e vários grãos, incluindo chia, linhaça, camelina, gergelim, aveia e amaranto. Mais de 50 espécies e variedades, todas plantadas estrategicamente para beneficiar a si mesmas e a aparência da vizinhança”.
O esforço foi em vão. Embora não haja lei municipal proibindo horta no jardim em frente às casas, a cidade determinou que ele retirasse as plantas. Karl sofreu ameaças e acabou recorrendo a um comitê municipal para julgar o caso.
Há duas semanas, o comitê decidiu que o jardim de Karl é legal e determinou que a cidade retire a citação contra ele. Ainda assim, o presidente do comitê disse que a decisão não deve ser vista como apoio à iniciativa do residente: “O comitê sentiu que, tecnicamente, ele tem a lei a seu lado. Mas acho que todos nós concordamos que é feio. Vai contra o senso comum, realmente, colocar uma horta no jardim da frente em vez de no quintal”.
Karl Tricamo não está sozinho. Julie Bass, residente de Oak Park, no estado de Michigan, chegou a enfrentar a possibilidade de ir para a cadeira por 93 dias por ter plantado – e se recusado a destruir – uma horta na frente de casa. Em outro caso, enquanto aguardava julgamento pelas autoridades locais, Denise Morrison teve sua horta destruída por oficiais municipais em Tulsa, Oklahoma.
Enquanto isso, nas grandes cidades, projetos de agricultura urbana florescem, em geral, com apoio das prefeituras. Em Chicago, um projeto bem sucedido é o The Plant, um complexo sistema instalado em um antigo abatedouro, que pratica a piscicultura, cultiva cogumelos e usa a aquaponia para produzir vegetais. The Plant também funciona como uma incubadora de pequenos negócios alimentares.
As atividades do The Plant são possíveis graças a alterações na lei sobre agricultura urbana, aprovadas pela cidade de Chicago no ano passado. Além de permitir o uso da aquaponia e da hidroponia, a nova lei aumenta o tamanho permitido para os jardins comunitários, permite a manutenção de abelhas e reduz a burocracia para empreendimentos de agricultura urbana.
Em São Francisco, uma revolução agrícola vai aos poucos se espalhando, impulsionada por mudanças na legislação. A Hayes Valley Farm é um dos projetos mais promissores, instalado onde antes havia uma rampa de acesso à Central Freeway, danificada por um terremoto em 1989. Em 2010, um grupo de permaculturalistas começou a trabalhar no local para torná-lo adequado para o cultivo.
No ano passado São Francisco alterou a legislação para permitir que fazendas de pequena escala – menos de um acre – operem em qualquer parte da cidade, inclusive vendendo seus produtos. Há poucos dias, a cidade voltou à carga e criou um programa com fundos para supervisionar todas as hortas comunitárias e incentivar proprietários de lotes vazios a ceder seus terrenos para a agricultura.
“Não vamos cultivar trigo no Golden Gate Park [o Central Park de São Francisco] – não é para isso que temos cidades”, disse Jason Mark, gestor de uma cooperativa de agricultores urbanos em São Francisco, ao site Grist. “Dito isso, há verdadeiro potencial para o cultivo de alimentos em jardins e para que hortas e fazendas comunitárias aumentem nossa produção de ovos, frutas e vegetais orgânicos”.
“Mas a colheita mais importante é a educação, em direção ao objetivo de mudança cultural”, completou.